segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Texto de Juliana Moreno Cavalheiro sobre a exposição “Dialetos”, curadoria de Paulo Henrique Silva, apresentada no Museu de Arte Contemporânea de MS, de março a maio de 2012

Tarefa prazerosa contemplar e “saborear” obras de arte. Contudo, fazer um relato escrito sobre elas, é uma tarefa complexa e requer sensibilidade para perceber as sutilezas, um olhar “sem ciscos”, como costuma dizer um certo professor, e uma postura totalmente desarmada de (pré) conceitos.

Ao visitar a exposição Dialetos, As cores do Lugar e Gravuras (acervo do MARCO), somos introduzidos em um mundo de linguagens diversas. Um mundo que nos proporciona a oportunidade de refletir sobre muitas coisas, além de nos submeter a sentimentos diversos.   
Aos olhos desacostumados de um contato maior com as produções contemporâneas da nossa região, é preciso lembrar que o artista traz consigo um repertório pessoal de vivências e experiências que são traduzidas em suas produções numa linguagem iconográfica repleta de simbologias e em algumas obras, a linguagem propriamente escrita.
Considero a imagem escrita um recurso que complementa algumas obras no esforço de explicar a mesma. Porém, ela não deixa outra alternativa ao observador, a não ser exatamente aquela ideia ou mensagem que o artista  pretendeu transmitir. Esse fator limita um pouco o observador e não permite a ele fazer outras leituras. Cada observador ao se colocar em frente à obra se permite “viajar” em uma interpretação completamente particular e subjetiva, e sua percepção da obra vai ganhando uma infinidade de significações.

A exposição Dialetos nos proporciona essa “viagem”. Mas isso é possível somente com um olhar atento, reflexivo, que nos permita, através do contato visual e sensorial, diversas leituras. A exposição em questão, apresenta manifestações artísticas de vários artistas de uma mesma região do Brasil: Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e de Brasília, no Distrito Federal. Em minha visão são estados pouco representativos no campo das artes no contexto nacional, mas que aos poucos começa a se levantar e a se mostrar como arte potencial para produções mais ousadas em um futuro próximo.
Algumas obras me chamaram a atenção, nem tanto pela beleza estética, que também é elemento importante na constituição de uma obra, mas pelos elementos simbólicos contidos nelas. Duas séries em particular me atraíram o olhar por mais tempo e me permitiram observações e reflexões mais aprofundadas. Trata-se da série Memórias, da artista Adelaide Fontoura, de Goiás, e da série Ikon, de Priscilla Pessoa, de Mato Grosso do Sul.
Ambas são obras cuidadosamente elaboradas, embora pertençam a linguagens diferentes e que tratam de temas intrinsicamente perturbadores para a maioria. A série Memórias utiliza-se do recurso da fotografia em preto e branco, coberta por um tecido de renda finamente bem trabalhado, que está sobrecoberto por uma camada de parafina, transmitindo uma atmosfera etérea num primeiro olhar. Nos pegamos observando as grandes fotografias lado a lado, na tentativa de decifrar nos rostos de cada indivíduo ali retratado traços que pudessem definir melhor suas identidades.
Mas ficamos apenas no campo da imaginação, no flerte que muda os ângulos, na tentativa de identificar melhor os elementos da obra, ou melhor, das obras. Interessante que uma delas, assim como a Monalisa de Leonardo Da Vinci, há a imagem de uma mulher vestida de noiva, que nos acompanha com o olhar onde quer que nos coloquemos. A série Memórias nos remete ao passado, às nossas raízes, a um tempo em que as mulheres eram subjulgadas e submissas e os homens tinham papéis bem definidos no meio social.
Ao olhar a série somos reportados a um passado não muito distante, talvez ao tempo de nossos avós, que espalhavam retratos de seus pais e avós em porta retratos pendurados nas paredes ou sobre aparadores de madeira bem torneados. As posturas e as vestes bem cuidadas, os corpos escondidos sob as roupas bem comportadas da época, os cabelos bem arrumados e as poses contidas nas fotografias antigas, reforçam essa atmosfera sóbrea dos tempos de nossos antepassados.
Porém, os olhares e os rostos escondidos sob a fina camada esbranquiçada da parafina, reforçada pela renda, nos revelam questões que vão muito além. Provavelmente a artista quis representar ali o falso moralismo de uma sociedade que vivia e sobrevivia da imagem, das aparências, do nome, da posição social. Não muito diferente dos dias atuais, mas muito mais camuflada e rígida. Uma imagem de resignação, de solidez e de moralidade, que censura os instintos dando lugar a uma imagem construída e distorcida do real.
A segunda série a ser analisada, Ikons, nos transporta a um mundo proibido. Ela é composta de três telas cuidadosamente pintadas e em cada uma apresenta temas que estão ligados às fantasias mais íntimas do ser humano. Questões que há poucas décadas não eram sequer pensadas, embora sempre estivesse em nosso subconsciente, emergem nas telas que retratam estas questões com muita força e coragem. Quebram-se tabus e nos permitem discussões a cerca da natureza humana e suas perversões. Fetiches sob identidades escondidas na tela Grupo dos quatro, evidenciam olhares fortes que se desviam do olhar do observador.

As cores utilizadas nas telas são vivas e vibrantes e sugerem que são temas que não podem mais ficar sob o pano sujo da censura e do tabu sociais. A hipocrisia e a sujeira social veda os olhos diante de grupos que se diferem pelas suas opçõs sexuais e seu estilo de vida, mas não vedam os olhos para a violência e a corrupção. Onde há imoralidade neste contexto? Ser diferente, ter fantasias e realizá-las no âmbito da intimidade não está mais restrito, mas ocupa seu lugar no mundo das artes.

A série Ikons contrasta com a série Memórias, não somente no uso dos materiais e na forma de expressão, tampouco no conteúdo subjetivo que cada uma apresenta. Mas ao mesmo tempo que falam línguas diferentes, dialetos singulares, se complementam quando uma pretende esconder, disfarçar e calar uma realidade, enquanto a outra pretende escancarar ralidades que a maioria não quer ver.

Ao voltar ao mundo real após “viajar” no interior das obras analisadas, voltamos com um outro olhar. Nossa mente e nossos sentimentos despertados no momento da observação, remodela nossa “lente” observadora e nos permite fazer leituras diversas e conhecer um pouco do artista naquela tela ali exposta. É como se a tela nos chamasse para uma breve visita a um pqueno recorte da personalidade do artista, que busca intensionalmente dizer sempre algo sobre ele mesmo ou sobre o meio no qual ele está inserido.

Juliana Moreno Cavalheiro é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi produzido como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Texto de Danielle Higa Miyagi sobre a exposição “Dialetos”, curadoria de Paulo Henrique Silva, apresentada no Museu de Arte Contemporânea de MS, de março a maio de 2012

Pinturas de Ana Ruas: Cobre de mesa  - Vaso -  Pavão


Na roda da vida que gira, dinamicamente no imenso espaço da existência humana, com todas as suas incertezas na qual estamos destinados a possuir. Um breve olhar pro universo já nos traz um profundo pensamento na relação do Homem e o espaço, ampliando um paradoxo de pensamentos que adere a filosofia, a ciência e a fé. Reflexão mítica não faltando indagações, embora algumas respostas apareçam, a dúvida é com certeza a direção do caminho.
Pensar em espaço é associar a lugar, o homem no seu lugar. É o relacionar com o mundo a sua razão de existir nele, conseqüentemente o de agir em função às suas crenças. Um assunto bastante discutido em vários campos do conhecimento humano num processo incessante de auto-compreensão, que faz da natureza do homem ter a capacidade de uma visão única e pessoal diante desde meio.
A partir dos primeiros movimentos físicos do corpo já é possível ensaiar o espaço em si interligando a percepção consciente da possibilidade de pensar e sentir, dentro do meio em que vive segundo Fayga Ostrower. Assim utilizando da expressão para transpor essa linguagem de forma à comunicar essas visões globais.
Nesta exposição “Dialetos” o tema utilizado foi baseado nessas concepções da relação do homem-universo.  A palavra vem da variação na fala e faz uma associação na linguagem artística de forma que, em sua leitura a expressão origina de um universo do criador com o trabalho, do artista com o mundo.
As técnicas utilizadas vão além da tradicionalidade, algo inusitado extremamente interessante além de traços ousados na questão do tema proposto, sendo de um impacto visual tocante. Mais ainda por ser uma mescla de artistas emergentes de campo-grandenses, Brasília e de Goiânia aparentemente com produções recentes.
Nota-se o objetivo de disseminar a arte contemporânea jovem utilizando novos elementos estéticos causando certo anseio e curiosidade, um ar de sedução. Das obras relacionadas, muitas deixavam claramente expostas o que o artista teve intenção de passar. Notavelmente as questões sociais imprescindíveis de reflexão, exibem a necessidade da busca de resposta para a solução do problema.
 Escolhemos para abordar, a obra com um conjunto de três telas “Cobre mesa.2012”, “Vaso.2012” e Pavão.2012”, de Ana Ruas. De uma grandiosidade e beleza sem comparação! A razão da escolha vem da sutileza com que se trata o tema, onde há uma necessidade de recorte da percepção e uma observação um pouco mais atenta.

“COBRE MESA”, “VASO”, “PAVÃO”

A princípio a atenção já se direciona para o conjunto de telas pela grandeza no espaço, postadas lado a lado. Uma característica original que representa bem a personalidade da artista nos seus trabalhos.
Em sua história, é possível notar a visão socializante da artista com suas obras. Procurando interferir de forma a modificar o meio, contagiando com os imensos trabalhos e principalmente o contexto de sua razão.
Nesta obra, transita os motivos florais a atenção para a utilização de apenas uma cor em si, o branco. Ao seu fundo as cores dos florais se destacam como algo pacífico, transmitindo uma sensação de leveza no olhar, em contraponto com o branco, dando forma sobre eles. Existe uma associação da feminilidade nas flores, com uma poética que circula no meio da vida em si.
Seguindo este pensamento, as flores simbolizam a vida. Numa representação um tanto clássica, mas de entendimento simples acessível a qualquer um. Porém desta pequena forma a reflexão gira em um campo um pouco mais profundo em sua relação com a vida e o homem em si.
No primeiro quadro “Cobre mesa”, demonstraria a vida sobre a terra? Com a relação de poucas flores realçadas comparado com o segundo, numa forma estática, porém contínua. Mas um toque mais apurado percebe-se que o realce foi devidamente escolhido.
Já na segunda tela “Vaso”, os ressaltos das flores estão em maior quantidade na parte superior equilibra com a falta das cores da primeira na parte inferior, e com a terceira onde se encontra o pássaro, causando uma harmonia suave. E o sentindo engloba o profundo pensamento da vida no mundo, descrita com as flores no vaso, da relação do existir num espaço limitado.
Nesta mostra fica evidente a associação que fez a artista com o tema, exibida centralmente no conjunto das telas.
A terceira “Pavão”, seria talvez no sentindo do ego humano supremo? O sentido talvez fosse o mesmo, porém outros elementos trazem inquietação. O pavão encontra-se em cima de um bebedouro e sobre as flores de forma que ocupa o espaço natural delas, associando com a igual idéia do espaço limite da vida. 
As conclusões então giram em torno do tema central da relação do homem com o universo, ocupando em seu espaço com as incertezas sendo um limite ao qual torna a vida algo preso ao tempo, assim como as flores.
É interessante pensar sobre esses fantasmas que perpetuarão sobre nossas vidas, uma vez que no momento presente há tantos efeitos causados pela ação do homem no mundo. 
E finalizando, a sutileza da artista notável e a admirável visão encontrada numa estamparia simples e a utilização dos seus elementos sobre a repetição das imagens ao fundo é impressionante. Uma vez em que nossos olhos seguem na imagem as formas ordenadas na estrutura espacial.
Forçando os pensamentos enquanto há uma busca de identificação das suas formas em segundo plano, não deixando de prevalecer a dimensão da expressão num enfoque tão profundo.
Não deixando de mencionar que as três telas completam uma e a outra, expressando uma seqüência nos pensamentos expressos em fases.
Fases que descreve a artista Ana Ruas, renomada e admiravelmente de uma personalidade inquieta e preocupada com as questões sociológicas. 
 
Danielle Higa Miyagi é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.


 


Texto de Lívia Molica sobre a obra de Ianelli na exposição de Gravuras do Acervo do MARCO, apresentada de março a maio de 2012

Associar o conjunto da natureza à arte é um principio de simples entendimento, mas que tem grande profundidade quando aplicado. Ao se pensar em arte até o inatural não foge de ser o natural, baseado em que os princípios de representação e ideias mesmo extremas de um artista, vêm de desejos naturais e ínfimos, que por mais distantes que estejam da realidade que compreendemos a olho nu, ainda assim ostentam em suas entranhas a origem do natural, o instinto, o princípio.

  Observando este fator de uma forma mais extrema, nos leva a conclusão de que não é possível jamais escapar da natureza no que se diz ao campo da arte, pois tudo do começo ao fim tem um conceito natural de existência, das cores ao nascimento do pensamento (que é um estado também natural do homem, como ser evoluído nos dias de hoje).
  Já, quando observamos de forma mais lapidada os conceitos de natureza na arte, são inúmeros os trabalhos, ideias e complementos que adquirimos de seu uso e aplicação. É possível denominar talvez, a natureza, como um dos condutores da compreensão e estudo das ideias de diversas obras.
  Partindo de um princípio simples, até mesmo crianças quando desenham tem essa compreensão básica, ao muitas vezes adicionarem elementos de paisagem como, por exemplo, um sol que ilumina o desenho de sua família, ou flores murchas e caídas quando se sentem tristes.
  Mesmo não compreendendo de forma extensa, as linguagens da natureza estão presentes nos conceitos do homem, assim como em seu inconsciente. A flor murcha da criança se associada à ideia de que a planta está morta, ou morrendo, vai de encontro à perda, que por vez é associada à tristeza.
  São vastos os usos das formas e significados dentro da natureza, que não é de grande surpresa observar ao longo de milhões de anos, a utilização da mesma dentro da arte, desde sua forma "crua" e mais óbvia aos também contatos mais sublimes. A aparência das árvores, a movimentação sutil do vento sob a vegetação, a representação de uma tempestade, são todos elementos que podem ser vitais ou que ajudam as compreensões mais profundas e entendimento das obras. Fisgam nossa atenção, em contrapartida com as cores, e estas que também podem surgir a partir de inspirações naturais como misturas inusitadas, se tornam parte do natural.
    Dentro da exposição "Gravuras" do acervo do Marco, são tantas as formas aos quais os artistas nos apresentam os elementos naturais, que é preciso um momento de reflexão sóbria entre uma obra e outra, para que seja possível adaptar-se a compreensão de cada estilo.
    Em uma forma geral, as obras se propunham passar não só as visões naturais, mas a experimentação daquilo que nos rodeia, de que a natureza é parte de nossa existência em todas as formas, talvez, sendo um estado diário ao qual o humano já se encontra habituado e precise ser lembrado. A experimentação das ideias no geral pareciam compor-se de fenômenos, formas, estados e intervenções ao natural, algumas mais desafiadoras, talvez, um pouco caóticas, quanto a outras, notavam-se tão básicas em seu objetivo que, sua leitura tornava-se monótona.
   A obra "No Silêncio da Mata" de Arcangelo Ianelli foi, contudo, a que se mostrou mais magnética para mim.
   Em sua visão sobre a arte, Ianelli acreditava que a obra deveria falar por si só, sem a necessidade de dissertações mais profundas que revelassem estados psíquicos ou contassem uma história.
   Das várias visões possíveis do quadro, apesar da utilização de formas tão simples, já vindas de escolhas artísticas de anos anteriores, é possível sentir-se em uma estranha falsa-calmaria. A utilização do verde nos remete ao natural, ainda que sob as cores escuras, passe uma sensação de sufoco, talvez, de tensão, de estar-se preso aos pontos mais claros no meio do quadro.
  Por si, em uma primeira visão, o entendimento seja o de uma floresta. As cores talvez puramente representem as do ambiente natural, mas, se observado com mais interesse, remetem também a troncos de árvores.
   A interpretação das perspectivas destes troncos, ou sua colocação e existência podem depender de cada observador.
   É também conforme dado o entendimento do número de troncos que, pode-se compreender a visualização e conceito da floresta em si, tendo-se provavelmente uma visão frontal da ideia.
   É possível observar uma linha completa com cinco troncos cada qual formando talvez uma distancia ou proximidade extrema, mas como também, é possível aderir-se a visão de apernas um tronco só, no qual o fundo venha a dar a sensação de uma mata escurecida e profunda, aonde se vê somente o breu.
   Em todos os casos, as extremidades escuras dão a mesma sensação de fechamento.
   Talvez, devido a um período de estudos fechados em um colégio militar ao qual Ianelli passou em sua infância junto à divisão de atenção com um irmão mais novo, ou por sua certa "reclusão” aos estudos da arte pelos métodos tradicionais (apesar de seus esforços e persistência) e em relação a seu autodidatismo, ele possa representar este sentimento suspenso, dentro de sua obra.
   A simplicidade, unida ao magnetismo das cores fez com que "No silencio da mata" se tornasse uma obra atraente, intrigante ao compreendimento, por exatamente talvez esconder algo que não exista, ou, existir em algo que nada esconde. O mesmo sentimento de calma suspensa, talvez como diz seu título, "o silencio" pode representar a paz, mas também um estado de alerta.
   Arcangello Ianelli passa com sutileza esse baque baque, de certa forma abstrato, no qual apenas a ideia dada aos olhos do observador é suficiente para lhe prender a atenção.


Lívia Molica é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.


Texto de Bruna Motta do Prado da Silva sobre as exposições “De Mercedes para Manoel”, “Como uma Fotografia”, “Desarrumando o tempo” e “Mi Amas Vin”, no Museu de Arte Contemporânea de MS, de maio a agosto de 2012.

Fotografia de Mercedes de Barros


De Mercedes para Manoel        

            A exposição De Mercedes para Manoel é uma coletânea de fotografias pessoais do poeta, podemos dizer que também é uma coletânea de memórias. Mercedes Barros quis mostrar uma outra visão acerca do tio, ela quis mostrar o que estava por detrás do poeta, o ser humano Manoel de Barros.

            As fotos são de negativos guardados pela família e algumas são colagens poéticas feitas pela fotógrafa, como por exemplo, uma fotografia ilustrando o personagem Bernardo do poema “VI” com abelhas e caramujos e uma frase “Abelhas novembras murmuram meu olho” fazendo analogia às obras do poeta.

            As fotos, que, em sua maioria, são em preto e branco foram dispostas sobre a parede de forma que formassem uma borboleta, simbolizando a mudança da visão do expectador sobre Manoel de Barros.

            Há somente duas fotos emolduradas (“Pai Sinjão e mãe Alice” e a foto de seu casamento) e o nome das fotografias foram escritas à lápis direto nas paredes. Foi uma mostra que eu gostei muito, pois a fotógrafa conseguiu seu objetivo de fazer uma ressignificação no expectador.
 

Como uma fotografia 

            O fotógrafo Roberto Müller apresenta suas obras de maneira um pouco diferente do comum. Ele combina e relaciona suas fotografias com objetos do cotidiano como, por exemplo, caixas de cigarro.

            Em “O Ministério da Saúde não Adverte” há uma relação entre a fotografia e as causas de se fumar excessivamente que estão na parte de trás das embalagens de cigarro, algo que o Ministério da Saúde deixa de advertir quando é a causa de outro mal, como o hambúrguer, um alimento vendido em fast foods que geralmente contém substâncias duvidosas nos ingrediêntes para, por exemplo, conservá-los.Tinha como moldura a embalagem escrita “produto tóxico”.

            Em “Por Favor não perturbe”, Roberto usa fotografias de pessoas dormindo ou ocupadas penduradas à uma maçaneta como um aviso de que não querem ser interrompidas.

            Em algumas das obras apresentadas, há jogos de palavras, como, por exemplo, em “Vendo não veem” onde há textos em quadros brancos que estão desfocados e somente as palavras relacionadas e sinônimas à ver ou visão estão nítidas. Ao lado de todos os quadros do conjunto da obra, há outro quadro branco com escrituras em braile, mostrando um outro jeito de se olhar.

            Uma das obras que mais me chamaram a atenção foi a “Jogos Cruzados”, pois é uma sequência de fotos que retratam uma partida de vôlei que estão dispostos como peças de dominó que foram colocadas uma a uma no chão e que depois de derrubada uma peça, as outras caem, assim como uma foto sequência.

            Fator de Corte” foi outra obra pela qual me interessei muito. São objetos como fósforos, um par de tênis, peças de dominó e outros ojetos do nosso convívio que foram retratadas ali e que nos mostram a relação fotografia-objeto de um jeito mais escancarado possível, invertendo os elementos, tornando o objeto em uma fotografia e interagindo com a moldura um tanto quanto inconvencional pela sua profundidade, mas que nos faz lembrar da moldura comumente usada em fotografias.
 

Desarrumando o Tempo 

            É uma exposição composta por trabalhos de diversas séries feitas desde os anos 80 e que, por isso, há um desconcerto no tempo entre o ato de fotografar e a visualização da fotografia. No caso da maioria das obras, se passaram anos desde o momento em que foram fotografadas até o dia em que foram expostas. É daí que sai o nome da mostra.

            Mercedes Barros faz sobreposições de fotos e colagens, fazendo assim com que cada obra narre uma história. Algumas obras tem o objetivo de sobrepor o punctum, isto é, aquilo que nos choca, do studium, aquilo que nos faz criar um afeto imediato. Um exemplo claro disso está na obra Pink Cowboy de 2010 em que há um cowboy, que no senso comum é um ser másculo, pintado de rosa, a cor símbolo do homossexualismo. O elemento que nos faz chocar é a combinação do ser másculo com a cor do homossexual, nos faz repensar sobre aquele indivíduo. Outra obra que também exemplifica isso é a Pitu de 2000, onde retrata uma moça vestida de branco, um garoto com trajes típicas da região pantaneira sobrepondo a fotografia de um matadouro. A figura das carnes suspendidas e do sangue abaixo delas é o elemento do punctum por neutralizar a ideia de pureza nas figuras da mulher de branco e do garoto com a ideia de morte, talvez de “sujeira”.

            A obra que eu mais me interessei foi a obra “It could happen to you” que é um coletivo de fotografias que me remete à memórias de alguma indivíduo e textos espalhados como um diário.
 

Mi Amas Vin  

            Uma mostra que tem como tema a religiosidade no nosso país, as obras foram fotografadas em diversas cidades do norte, nordeste do Brasil e no Distrito Federal. Retrata, em sua maioria, devotos à várias religiões como a católica, ubanda e o culto do Santo Daime. O fotográfo quis mostrar a variedade religiosa do brasileiro, seus devotos e seus cultos.

            Marcelo Buainain tenta, através do registro de cada momento, expressar, compreender e vivenciar a existência e manifestações do Divino, uma vez que a religião, cientificamente falando, seria somente um aglomerado de ideias, uma explicação atribuída à algo muito maior e mais grandioso do que o ser humano sobre coisas e fenômenos em micro e macro esfera que não podemos explicar. O artista quis experimentar cada uma dessas ideias diversificadas, quis sentir esse tal algo maior e mais grandioso e ver o poder que exerce nas pessoas que partilham dessas ideias.

            Todas as fotos foram tirada em preto e branco para dar uma ar talvez mais sério e mais artístico dessa experiência. Boa parte das fotografias retratam os fiéis em momentos importantes para cada religião como , por exemplo, rituais.

            Foi a exposição que eu menos me interessei por causa do tema, mas mesmo assim tive admiração. Marcelo fez um ótimo trabalho de relatar a diversidade religiosa no nosso país, mostrando cada momento importante para cada religião, é preciso registrar isso, pois faz parte da nossa cultura.


Bruna Motta do Prado da Silva é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina  Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.

Texto de Jamille Zambrim sobre a exposição "Dialetos", curadoria de Paulo Henrique Silva, realizada no Museu de Arte Contemporânea de MS de março a maios de 2012


Rondinelli Linhares, Ao momento presente, 2012, 50 x 65 cm
 
Dialeto: do grego diálektos: 'conversa, conversação, discussão por perguntas e respostas; maneira de falar, linguagem própria de um país’; Variante regional ou social de uma língua. Falantes de uma mesma língua apresentam diferenças nos seus modos de falar, de acordo com o lugar em que estão, com a situação de fala ou registro ou, ainda, de acordo com o nível socioeconômico do falante.

A exposição fala exatamente sobre essa ‘variante’, desses diversos tipos de linguagens. As obras tratam de problemas sócias, mas de diversas maneiras, técnicas  e materiais.

O artista tenta mostrar seu olhar sobre o mundo, sobre os problemas sociais.

Dividir a exposição em duas partes nos dá a idéia de como são trabalhadas as diversas técnicas utilizadas pelos artistas. De um lado as pinturas e instalações que nos mostram uma visão mais particular de cada artista. Do outro lado os desenhos em nanquim e intervenções digitais. Os desenhos em nanquim, assim como as pinturas, também nos mostram a visão particular dos artistas. Já as fotos podem ser manipuladas digitalmente: há a visão do artista, mas há também a inserção de novas imagens.

Um dos quadros que me chamou a atenção foi “Ao momento presente” de Rondinelli Linhares. Eu tenho algo que me atrai quanto a corações. Nada mais piegas, melancólico, lírico do que um coração. Ainda mais quando este vem dentro de uma caixa, embalado pra presente, com uma etiqueta dizendo ‘Obrigado por não ter me amado’. Isso com certeza faz com que até aqueles que se dizem “durões” se “derretam”. Ou talvez não. Bom... Isso não vem ao caso.

Não há dúvidas sobre o que o artista quer dizer: O amor é uma droga! Ou como bem disse Camões é “uma ferida que dói e não se sente”.  Se bem que no caso de Rondinelli, parece que ele sente a dor na ferida. E parece ser uma ferida a qual ele não quer fechar. Mas também, fechar porque? Para que? Muitas obras nasceram assim, da perda de um amor, de uma ferida não cicatrizada. Rondinelli analisa no retrato a saudade, as mágoas e dúvidas, a solidão, enfim, as lembranças desse amor perdido.

Como em um filme Noir, Rondinelli consegue, com jogos de claro-escuro, transpor para o papel toda a nostalgia e ves­tí­gios do amor per­di­do. No seu trabalho, o amor “faz vítimas”, não há o final feliz.

O coração colocado não dentro da caixa, mas acima desta, nos da a impressão de movimento: o dono dele está o retirando da caixa para que possa ser devolvido ao lugar o qual pertence. Há também o destaque: o coração na frente de uma parede branca, sozinho, segurado apenas por um fio, nos remete à solidão, à mágoa.

A tampa da caixa também nos remete a idéia de movimento: parece que ela vai escorregar, cair de uma vez em cima da mesa, talvez fazendo barulho e assustando o remetente, ou talvez silenciosamente, fazendo com que o remetente sinta mais tristeza.

A caixa, mesmo tendo a tampa apoiada nela, parece sozinha, perdida no tempo. Assim como o autor deve ter se sentido quando seu amor se foi.

A técnica escolhida também remete a tudo isso: o preto e o branco, e algumas nuances de cinza, retrata esse mundo triste, infeliz, nostálgico do artista. É como se colocasse cor, a lembrança desvanecesse, como se ele não tivesse sofrido o tanto que sofreu para poder construir essas imagens. A dor faz parte tanto da idéia, da construção do quadro, quanto da imagem.

Já em 1886 Camille Claudel, em uma de suas cartas a Rodin, escreveu: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta). Em seus quadros, Rondinelli diz muito, não com palavras (apesar de alguns de seus quadros terem colagens de poemas), mas sim com sua dor. Diz o quanto dói essa separação, essa ausência da pessoa amada, mesmo que ela tenha te magoado muito.

Com sua obra, Rondinelli toca num ponto delicado para a humanidade, um ponto que jamais deixará de existir, enquanto houver seres humanos caminhando sobre o planeta.

 
Jamille Zambrim é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.

sábado, 22 de setembro de 2012

Texto Maria Adélia Menegazzo sobre a mostra Na dimensão da sutileza

Na dimensão da sutileza, mostra na galeria Wega Nery, Campo Grande/MS

Porque vale a pena visitar a exposição NA DIMENSÃO DA SUTILEZA. Até dia 04/11, na Galeria Wega Nery, no Centro cultural Octavio Guizzo.

A exposição “na dimensão da sutileza” pode, à primeira vista e dado o tamanho reduzido das obras expostas, dar a impressão de que, do ponto de vista do significado, trata de coisas sem importância, coisas do cotidiano para as quais temos sempre um olhar entediado. Todavia, é exatamente o deslocamento que essas pequenas coisas sofrem na percepção e nas mãos do artista, que as apresentam para além do seu sentido comum, bem como sua configuração final. Os objetos sem importância de Miska, minuciosamente organizados em caixas, revelam os seus tesouros (da juventude?), as suas memórias e histórias que, quem sabe, podem coincidir com as nossas. Batons, perfumes e divas do cinema, quem não as coleciona? As aquarelas de Priscilla Pessoa põem em xeque as identidades do sujeito contemporâneo, que só existe quando “postado”. Substituindo-lhe a “persona” talvez seja possível encontrar o indivíduo. Já os desenhos de Laury Junior nos fazem confrontar as formas do imaginário que vêm dos mais diferentes meios - desenhos animados, notícias de jornais, seriados da tv – construindo assim um sistema que possibilita uma infinidade de combinações e de sentidos. Os traços firmes do desenho garantem-nos um espaço de hesitação, manobra e conclusão. Nas pinturas azuis de Ana Ruas, temos as primaveras recortadas, afirmando um dado da realidade mas sem se reduzir a ele. São pinturas e, enquanto tais, revelam as pinceladas, os tons e sobretons utilizados, além do desenho que sustenta o motivo selecionado. O artista mineiro Rodrigo Mogiz apropria-se de entretelas pintadas para bordado e desenha sobre elas bordando coisas diferentes daquelas que estão propostas. Confunde o olhar do observador questionando suas habilidades, descontinuando linhas e sugerindo uma nova relação com o que já está feito. Virgílio Neto, de Brasília, tem na minúcia dos desenhos o fator de aproximação do observador, convocado para entrar no jogo dos seus espaços em branco. Porque são muitos os desenhos, são muitos os sentidos a serem construídos nas suas inter-relações. Aproximar todos estes artistas foi o trabalho de Rafael Maldonado numa expografia que, primeiramente, envolve o visitante em uma atmosfera de sensibilidade e equilíbrio dado pelo tom suave das paredes, pela disposição espaçada entre as obras e pelos pequenos textos que introduzem cada artista. Sugere, “sutilmente”, um percurso de leitura que poderá ser aceito ou não, a depender de cada leitor. Mas o que é indubitável é o prazer de olhar que a exposição como um todo provoca, transformando nosso olhar “blasé” para as coisas do cotidiano em momento de reflexão sobre nossas práticas do dia-a-dia, investindo na nossa necessidade de uma boa dose de poesia. Arte contemporânea faz isso.

 
Maria Adélia Menegazzo é crítica de arte, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Na dimensão da sutileza


A redução no espaço expressivo das obras, proposta nessa mostra, pretende avaliar as maneiras possíveis de se enfrentar questões de representação num campo limitado por dimensões que se resolvem, sobretudo, pelo gesto contido, no traço reduzido, num mínimo da cor, na economia da forma ou na síntese da imagem idealizada.

Essa diminuição no tamanho requer do artista uma maior objetividade na articulação dos esquemas estruturais do trabalho, e as decisões são pontuadas pela negociação formal entre a necessidade e a maneira pela qual o espaço deve ser preenchido. É como se não fosse possível, nos limites do suporte, conter a potência da imagem.

Os trabalhos de Ana Ruas, Laury Júnior, Miska, Priscilla Paula Pessoa, Rodrigo Mogiz e Virgílio Neto, que compõem a exposição, revelam, em diferentes linguagens, como foram tratadas as especificidades da manufatura artística no redimensionamento da escala visual para uma realidade física menor, num formato que privilegia o realce dos detalhes na construção delicada das cenas, valorizando no contexto dos temas abordados as sutilezas íntimas de cada segmento da obra.

Ana Ruas, Bougainville V, 2012, acrílica sobre tela, 25 x 35 cm
As pinturas de Ana Ruas evidenciam interessantes formas de perceber o entorno e de posicionar o olhar em qualquer direção para encontrar motivos de uma narrativa pictórica. Os assuntos são diversos e transitam entre memória afetiva, potencializada em alguns trabalhos pela imitação de antigos barrados de crochês, e na transposição de instantes do cotidiano que contribuem para o feitio de uma pintura elaborada com pinceladas diluídas e veladuras que se esgotam para que os vestígios permitam a definição exata daquilo que a artista deseja reproduzir.  A ideia de paisagem surge discretamente em sua produção, pontuada no interesse do detalhe de uma folhagem de vaso, ou na variação de pontos de vista diferentes de uma bougainville cultivada no jardim do ateliê.

Laury Júnior, sem título, 2012, nankin sobre papel, 15 x 15 cm
Nos trabalhos de Laury Júnior as imagens são definidas pelo contorno puro, sendo o traço, em alguns momentos, interrompido para alterar o movimento contínuo e criar um deslocamento rítmico no desenho. O estranhamento das cenas é causado pela condição de xipofagia dos personagens, na junção das figuras por uma parte do corpo e no realce das diferenças de personalidade de cada um. Outra questão apresentada na série menciona a intolerância e a estereotipação da relação homoafetiva, propondo a leitura de que não há escolha nem mutação de caráter nessa situação, e de que as paixões, em toda a sua diversidade, não são atitudes infames.

Miska, Marcas, 2009, assemblage
As caixas/assemblage de Miska buscam reposicionar o passado na organização de pequenos objetos e detalhes de coisas que ficaram guardados por muito tempo, mantendo, como valiosos porta-joias, as lembranças de um tempo distinto reconstituído delicadamente na combinação de fragmentos materiais antigos com brinquedos e embalagens de produtos atuais. Esses pequenos cenários de Miska preservam a ingenuidade do olhar que encontra beleza na simplicidade e nas nuances da sutileza. São obras que reavaliam nosso desejo de colecionar, de guardar, de juntar coisas sem muita utilidade. Saber o que fazer com tudo isso é tarefa, quase sempre, de quem tem aptidão ou devaneios de artista.

Priscilla Pessoa, Fábulas instantâneas XIV, 2012, aquarela sobre papel, 18 x 18 cm
Na série de aquarelas Fábulas Instantâneas, Priscilla Pessoa se apropria das diferentes situações dos autorretratos postados nos sites das redes sociais e acrescenta às fisionomias dos retratos máscaras de animais e fantasias carnavalescas que, ao mesmo tempo em que transfigura as cenas, no processo de apagamento desses rostos, impõe o anonimato aos personagens retratados,  contrapondo-se assim à necessidade de autopromoção que percebemos no território virtual. Assim como nas fábulas, a pintura de Priscilla atua na deformação da realidade, misturando o real com a fantasia num processo de reavaliação de identidade, retirando dos retratos selecionados sua  afirmação de poder e status.

Rodrigo Mogiz, Rinha de gatos, 2012, bordados e transfer sobre tecido, 35 x 44 cm
Nos “bordados” de Rodrigo Mogiz, o artista opera com a ideia do desenho apresentando novas maneiras de elaborar os trabalhos, às vezes, usando suportes que não são tradicionais dessa linguagem. Rodrigo constrói as cenas de cada obra numa relação entre as imagens impressas nos gabaritos de bordado e a intervenção de figuras sobre elas. O traço que modela os personagens é realizado pela costura da linha de algodão no tecido, ora definindo o contorno da cena, ora colorindo áreas pela trama desordenada dos pontos. Também usa na confecção dos trabalhos instrumentos específicos da artesania da costura: miçangas, pingentes, lantejoulas, entre outros. É desenho, pintura ou bordado? Segundo Manoel de Barros “significar limita a imaginação”.

Virgílio Neto, sem título, 2012, grafite e aquarela sobre papel, 30 x 42 cm
Nos desenhos de Virgílio Neto, a dimensão de cada personagem ou ilustração que compõe a obra revela o delicado gesto que produz um risco minucioso e preciso nas formas e nas combinações entre imagens e palavras. Aparentemente não há uma relação direta entre todos os detalhes das obras, entretanto, a combinação inusitada dos elementos em posições aleatórias no papel faz com que várias pequenas histórias aconteçam ao mesmo tempo, umas definidas pela linha fina, outras, no apagamento ou no borrão do grafite que se contrapõe com instantes mínimos de cor. As frases incorporadas nos desenhos não conduzem a leitura da obra, elas são elementos gráficos que contribuem para o ritmo e o movimento visual nas dimensões poéticas da representação.

Os temas abordados nos trabalhos dessa exposição refletem o constante interesse por assuntos comuns, histórias ou cenas banais que acontecem no cotidiano de cada artista, sempre com a preocupação do rigor técnico na elaboração da obra e na busca pela excelência da linguagem adotada. 

Rafael Maldonado
                                                                                                                              Curadoria, set/ 2012

 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Texto de Maria Adélia Menegazzo sobre a exposição "A impressão que fica"




William Menkes, xilogravura, 2011

O QUE FICA
A exposição de gravuras “A impressão que fica”, na Galeria Wega Nery, do Centro Cultural Octavio Guizzo, é uma dessas ocasiões em que, pensando em apenas rever técnicas milenares, somos surpreendidos pela diversidade e singularidade de seu emprego. São gravuras em metal, em madeira e em linóleo realizadas por alunos do Curso de Artes Visuais da UFMS, orientados pelo artista e professor Rafael Maldonado. Se a participação individual assusta num primeiro momento (afinal, como dar uma unidade com tanta gente diferente), é por conta dela mesma que podemos percorrer com o olhar cada gravura buscando os detalhes dessa diferença.
O que primeiro pode chamar a atenção é o uso contemporâneo das técnicas que a maioria dos alunos-gravadores consegue exercitar. Assim também, não apenas nos motivos gravados, mas principalmente no recorte por eles escolhidos, há um investimento no olhar fragmentado, numa tentativa de abrir espaço por entre a imensa quantidade de imagens de que somos “vítimas” no dia-a-dia. Nesta série de trabalhos, onde não faltam ironias e humor, uma estação de trem tem tanto valor quanto um “fusca”. Isto permite que o observador vá se surpreendendo com o que está representado tanto quanto com o modo como foi representado. Técnica e temática consistentes permitem que se retire da gravura o seu melhor resultado. No conjunto, uma sedutora poética se instaura, qual seja,  a busca do domínio de uma linguagem que articula de modo eficaz planos, formas e texturas para falar daquilo que nos pertence, no nosso tempo. Se a primeira impressão é a que fica, neste caso, não é pouco.
Maria Adélia Menegazzo
09.05.2012

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Texto sobre a exposição 'Corpo em evidência, memória insinuada", curadoria de Rafael Maldonado

Lídia Baís

Evidenciar o corpo, historicamente falando, começa a rigor quando o ser humano reconhece outro ser humano. Nessa ocasião, os corpos eram grotescos, peludos e, no limbo da conveniência primitiva, muito maltratados. Os homens dessa época mal pressentiam os dotes de alguma espiritualidade: aos sinais de fumaça ainda não correspondiam, portanto, nenhum tipo de chama da arte.

De lá para cá, evidente que muita coisa mudou. Os Egípcios se fartaram com os grandes monumentos e de muita frontalidade. Os Gregos propuseram a beleza acima de qualquer suspeita, e o corpo assim representado, de tão belo, ficou, como diz o Kitsch, bem e mal situado, ao mesmo tempo.

No Renascimento, por se tratar de retomada histórica, bateu-se muito na tecla enjoativa do academicismo, mas surgiram pontapés importantes para o nascimento da arte moderna. E é justamente com ela que corpo e alma se fundem, paradoxalmente, numa total falta de compromisso.

A exposição “Corpo em evidência, memória insinuada" é bastante atenta aos preceitos da arte moderna. Os temas adotados são bastante remissivos, abordagens metalinguísticas se misturam a produções intrinsecamente icônicas, o que só vem incrementar, touch court, o trabalho, quase sempre sinestésico, da memória na produção da obra de arte.

Interessante notar que o repertório da maior parte dos trabalhos é, assim entendemos, de natureza assaz intimista, recordações de lugares de infância, dramas pessoais quase intransferíveis, cruzamento de linguagens afins - tais como fotografia e instalação, e mesmo nas escapadas mais surreais, verificam-se marcas de um grafismo com tendências ainda iconográficas, endêmicas.

Outro fator, também importante, é a boa diferença de idade entre as obras, o que nos dá um amparo, em termos de percepção visual, mais significativo na comparação das influências de cada autor.

Escolhemos, para comentar, a obra "Menino com livro", de Lidia Bais. E o fizemos porque é notória a ubiquidade da sua obra. É fundamental que se conjugue novamente cada item da sua simbologia, do seu vanguardismo histórico, do seu comportamento espalhafatoso, tributário da sua mente sempre em ebulição. Enfim, de uma genialidade artística que dificilmente encontrará paralelos ao longo de muitas gerações.

'MONALISA BAIS'

O quadro "Menino com livro", de Lidia Bais, flerta, a princípio, com o olho inadvertido. Com uma roupagem ensimesmada, os elementos pictóricos e semânticos saltam solenemente frugais e acadêmicos, e tudo concorre no sentido de ser mais uma obra figurativa.

Pois que, em tese, a artista, ao retratar o entretenimento de uma simples tarde de leitura, teria como propósito de 'pathos', uma mansidão do contemplativo, um apelo elementar sobre um cotidiano bem típico da arte mais Romântica. E ainda, por se tratar de uma figura jovem - que lê absortamente o seu livro - o principal motivo do quadro, imediatamente a ela se associa uma apologia ligeira sobre a questão da epifania do conhecimento, como sendo ele um correlato básico e inevitável para que todos entendam o sentido da própria vida.

Mas à medida que a abordagem prossegue, e com o repertório dos signos da arte acadêmica já remexido e ampliado, surgem elementos delicadamente mais transgressores e subliminares, com vínculos metonímicos próximos de um contexto semiótico muito mais prolixo do que parece.

E nesse sentido, há um apelo ecumênico latente no quadro: damos-nos conta de que a figura do jovem, na verdade, não é a de um menino.

Com efeito, e respeitando os cânones de uma semiologia que diferencia, na história da arte, traços masculinos dos femininos, podemos ficar certos de que o objetivo da artista era postar, laconicamente, a figura do andrógino. Efetivamente, temos no quadro uma menina com roupas de menino!

Essa constatação nos leva, com certeza, à vida de Lidia Bais, tanto na sua heresia intelectual e de comportamento, quanto à obscuridade e ao hermetismo no simbólico de sua arte.
Senão, vejamos: a artista teve vida intensa no meio artístico em Paris e São Paulo, sendo ativista e amiga confessa dos modernistas da Semana de 22, aderindo evidentemente a todos os preceitos revolucionários daquele momento criativo da arte antropofágica. Em dado momento seguinte, por força de circunstâncias materiais, é forçada a voltar até Campo Grande, onde se estabelece, trazendo na cabeça teorias sobre arte e vida - para ela, peças inseparáveis - que, então, a encapsulariam dramaticamente justamente por falta de um mínimo de feedback local, e onde passa a sofrer os horrores por estar anos-luz à frente de sua época.

Diante de tamanha crueza do ambiente encontrado, Lidia Bais se recolhe e passa da euforia ao desdém e ao desprezo. E, com certeza, manifesta esse sentimento através de uma fina ironia tanto em suas 'intervenções' (não é lenda, por exemplo, o fato de a artista sair travestida de homem pelas ruas e festas sem que ninguém percebesse...), quanto na estética de suas obras. Portanto, podemos dizer que o quadro "Menino com livro", ainda que permeie uma discrição subjetiva, com críticas sociais veladas e falsas pistas sobre o pseudo-academicismo, já apresenta, nas suas entrelinhas, uma extrema sofisticação no âmbito da interlocução das artes plásticas com a psique humana.

Lidia Bais, como vimos, opta pelo duplo sentido, pelo non-sense, e a partir daí pensamos na desconstrução do quadro, dando maior relevância a alguns detalhes.

   1- Um 'garoto' sentado, levemente inclinado, em uma cadeira, de encosto rústico e pernas torneadas, segurando e lendo um grande e surrado livro branco, não identificado; observe-se, também, que os seus pés cruzados mal alcançam o chão; - 'ele' veste por baixo uma camisa de golas salientes brancas, e, por cima, um terninho escuro que se 'submete' ao volume exagerado das golas, invertendo metaforicamente os valores referentes à etiqueta do detalhe, isto é, parecia estar fora de moda;

Observação: esse conjunto forma, intuitivamente, uma diagonal de fácil visualização, o que reforça a tese de que os recursos acadêmicos em Lidia Baís eram utilizados 'en passant', meios meramente pragmáticos e 'descartáveis'.

Realmente o que interessa nesse detalhe seria saber qual a razão mais forte que a levou a pintar um rosto tão dócil e feminino - e atribuí-lo com identidade masculina. Um auto-retrato dissimulado?

Um protesto - construtivo - contra o tratamento que recebia da cidade inteira que a acusava de ser louca? Sim, porque apesar de viver em tamanho inferno-astral regado a inúmeros preconceitos, ela, da forma mais inteligente e generosa, ainda sugeria em seus quadros que mulheres também podiam ser talentosas!

O enorme livro branco, associado (livre-associação?) às grandes golas brancas, talvez reforce essa tese da pureza da arte, que ela existiria (ou sempre existiu) independente do feminino ou do masculino.

Outra hipótese sobre as golas e o livro, na correlação das cores, textura e tamanho, é a de precisar o conhecimento como elemento multiplicador, ou seja, devemos estar à altura do conhecimento como uma necessidade fisiológica.

Mas o livro também, por ser um tanto disforme, sustentaria agora uma evasiva: a de que não devemos segurar muito tempo o nosso olhar sobre ele. Ele é um mero apêndice, quase uma incógnita, um passo intermediário que fará com que voltemos a observar com mais importância o rosto do 'garoto'.

E ao seu corte de cabelo Proustiano: não haveria, para Lidia Baís, na época, melhor refúgio literário e libertário do que a leitura de um livro como "Em busca do Tempo Perdido"!... E quanto aos pés, ligeiramente suspensos, podemos, longe de qualquer paroxismo, pensar que isso é um indicativo do tipo 'flanêur': o bom observador precisa 'levitar ' para ser um bom artista...

   2- Em frente ao 'garoto' existe uma pequena escrivaninha em verniz escuro, cuja gaveta está semiaberta (o livro que está nas mãos pode ter saído dali); sobre ela um outro 'livro', de cor bem avermelhada, que mais se parece com uma agenda ou um diário;

Observação: uma gaveta entreaberta sempre carregou, de forma clássica e arquetípica, a tintura anatômica do feminino. Afinal de contas, a vagina, no requinte do aplicativo e do eufemismo, ostenta, para além dos limites do imaginário e do grito primal, o caminho inicial da vida humana.

Observe-se que o livro maior, se sobrepondo à gaveta, também se insinua por essa configuração anatômica... Aí, talvez, como uma crítica à sociedade falocrática: o livro - ‘todo-poderoso’- delinea-se como a peça que ‘ocupa’, que ‘preenche’ – peça masculina, portanto.

Por outro lado, uma gaveta, ao se abrir, sugere ainda algo sobre termos o mistério ao alcance das mãos. Ao vê-la entreaberta, como está no quadro, podemos inferir que a artista nos provoca, numa incipiente metalinguagem, e insinua sobre as coisas desconhecidas no universo da vida e da arte; sobre o prazer de, por conta dessa ambiguidade dialética, sentir o nada e o mistério e de gozar a sua espiritualidade, tal qual um satori...

Se o livro, que sempre traz ideias novas, saiu da gaveta, devemos constituí-la como sua 'alma mater'. Mas também podemos devolvê-lo à gaveta e fechá-la. Estaria, nessa fugitiva, a artista se referindo ao controle do tempo?

De qualquer forma, agora temos um triângulo visual (o escuro da gaveta, o rosto ambíguo e o livro), cujos vértices, de rápida tangibilidade, oferecem ao quadro um boa mobilidade do olhar, mesmo sendo um movimento propriamente revulsivo, que pediria para afrontarmos nele o despertar da intratável realidade.

Quanto ao 'diário' sobre a mesa, dentro da composição do quadro, ele traz certo equilíbrio, atenuando um pouco a diagonal dominante. Mas inequivocamente optamos em realçar a sua cor vermelha, que é a pulsão, o signo de vida e de morte. E não por acaso ele também parece estar saindo-entrando na gaveta entreaberta.

Nos quadrantes de um diário, é certo, a metáfora apela diretamente para o fluxo sanguíneo, porque é o exercício milagroso e vernacular do dia-a-dia, que só pára diante da morte. Ou continua, na vida eterna das melhores ideias e obras do artista.

Vale muito a pena pensar sobre o que continha aquele diário de Lidia Bais. Seus segredos e pormenores, em qualquer instância metafísica, são, principalmente hoje, elementos de pura materialidade na compreensão estética dos caminhos que traçaram a obra da artista.

Finalmente, a perspectiva do quadro parece ser propositalmente mal resolvida, sugerindo algum tributo a obras de grandes pintores - como Van Gogh - que se valeram de tais recursos de duplicidade. Principalmente quando se tratava de ambientes mais íntimos, onde o repasse autobiográfico era inteiramente ‘assumido’ na obra, a autoridade do olhar desmistificador prevalecia, e o que era acadêmico necessariamente se desmontava ora em luxúria, ora no lúdico e no onírico.

Lidia Bais, como boa iconoclasta, seguia exatamente os passos desses grandes mestres.

Francisco de Paula Vieira
Artes Visuais - UFMS - 2011