sábado, 22 de setembro de 2012

Texto Maria Adélia Menegazzo sobre a mostra Na dimensão da sutileza

Na dimensão da sutileza, mostra na galeria Wega Nery, Campo Grande/MS

Porque vale a pena visitar a exposição NA DIMENSÃO DA SUTILEZA. Até dia 04/11, na Galeria Wega Nery, no Centro cultural Octavio Guizzo.

A exposição “na dimensão da sutileza” pode, à primeira vista e dado o tamanho reduzido das obras expostas, dar a impressão de que, do ponto de vista do significado, trata de coisas sem importância, coisas do cotidiano para as quais temos sempre um olhar entediado. Todavia, é exatamente o deslocamento que essas pequenas coisas sofrem na percepção e nas mãos do artista, que as apresentam para além do seu sentido comum, bem como sua configuração final. Os objetos sem importância de Miska, minuciosamente organizados em caixas, revelam os seus tesouros (da juventude?), as suas memórias e histórias que, quem sabe, podem coincidir com as nossas. Batons, perfumes e divas do cinema, quem não as coleciona? As aquarelas de Priscilla Pessoa põem em xeque as identidades do sujeito contemporâneo, que só existe quando “postado”. Substituindo-lhe a “persona” talvez seja possível encontrar o indivíduo. Já os desenhos de Laury Junior nos fazem confrontar as formas do imaginário que vêm dos mais diferentes meios - desenhos animados, notícias de jornais, seriados da tv – construindo assim um sistema que possibilita uma infinidade de combinações e de sentidos. Os traços firmes do desenho garantem-nos um espaço de hesitação, manobra e conclusão. Nas pinturas azuis de Ana Ruas, temos as primaveras recortadas, afirmando um dado da realidade mas sem se reduzir a ele. São pinturas e, enquanto tais, revelam as pinceladas, os tons e sobretons utilizados, além do desenho que sustenta o motivo selecionado. O artista mineiro Rodrigo Mogiz apropria-se de entretelas pintadas para bordado e desenha sobre elas bordando coisas diferentes daquelas que estão propostas. Confunde o olhar do observador questionando suas habilidades, descontinuando linhas e sugerindo uma nova relação com o que já está feito. Virgílio Neto, de Brasília, tem na minúcia dos desenhos o fator de aproximação do observador, convocado para entrar no jogo dos seus espaços em branco. Porque são muitos os desenhos, são muitos os sentidos a serem construídos nas suas inter-relações. Aproximar todos estes artistas foi o trabalho de Rafael Maldonado numa expografia que, primeiramente, envolve o visitante em uma atmosfera de sensibilidade e equilíbrio dado pelo tom suave das paredes, pela disposição espaçada entre as obras e pelos pequenos textos que introduzem cada artista. Sugere, “sutilmente”, um percurso de leitura que poderá ser aceito ou não, a depender de cada leitor. Mas o que é indubitável é o prazer de olhar que a exposição como um todo provoca, transformando nosso olhar “blasé” para as coisas do cotidiano em momento de reflexão sobre nossas práticas do dia-a-dia, investindo na nossa necessidade de uma boa dose de poesia. Arte contemporânea faz isso.

 
Maria Adélia Menegazzo é crítica de arte, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Na dimensão da sutileza


A redução no espaço expressivo das obras, proposta nessa mostra, pretende avaliar as maneiras possíveis de se enfrentar questões de representação num campo limitado por dimensões que se resolvem, sobretudo, pelo gesto contido, no traço reduzido, num mínimo da cor, na economia da forma ou na síntese da imagem idealizada.

Essa diminuição no tamanho requer do artista uma maior objetividade na articulação dos esquemas estruturais do trabalho, e as decisões são pontuadas pela negociação formal entre a necessidade e a maneira pela qual o espaço deve ser preenchido. É como se não fosse possível, nos limites do suporte, conter a potência da imagem.

Os trabalhos de Ana Ruas, Laury Júnior, Miska, Priscilla Paula Pessoa, Rodrigo Mogiz e Virgílio Neto, que compõem a exposição, revelam, em diferentes linguagens, como foram tratadas as especificidades da manufatura artística no redimensionamento da escala visual para uma realidade física menor, num formato que privilegia o realce dos detalhes na construção delicada das cenas, valorizando no contexto dos temas abordados as sutilezas íntimas de cada segmento da obra.

Ana Ruas, Bougainville V, 2012, acrílica sobre tela, 25 x 35 cm
As pinturas de Ana Ruas evidenciam interessantes formas de perceber o entorno e de posicionar o olhar em qualquer direção para encontrar motivos de uma narrativa pictórica. Os assuntos são diversos e transitam entre memória afetiva, potencializada em alguns trabalhos pela imitação de antigos barrados de crochês, e na transposição de instantes do cotidiano que contribuem para o feitio de uma pintura elaborada com pinceladas diluídas e veladuras que se esgotam para que os vestígios permitam a definição exata daquilo que a artista deseja reproduzir.  A ideia de paisagem surge discretamente em sua produção, pontuada no interesse do detalhe de uma folhagem de vaso, ou na variação de pontos de vista diferentes de uma bougainville cultivada no jardim do ateliê.

Laury Júnior, sem título, 2012, nankin sobre papel, 15 x 15 cm
Nos trabalhos de Laury Júnior as imagens são definidas pelo contorno puro, sendo o traço, em alguns momentos, interrompido para alterar o movimento contínuo e criar um deslocamento rítmico no desenho. O estranhamento das cenas é causado pela condição de xipofagia dos personagens, na junção das figuras por uma parte do corpo e no realce das diferenças de personalidade de cada um. Outra questão apresentada na série menciona a intolerância e a estereotipação da relação homoafetiva, propondo a leitura de que não há escolha nem mutação de caráter nessa situação, e de que as paixões, em toda a sua diversidade, não são atitudes infames.

Miska, Marcas, 2009, assemblage
As caixas/assemblage de Miska buscam reposicionar o passado na organização de pequenos objetos e detalhes de coisas que ficaram guardados por muito tempo, mantendo, como valiosos porta-joias, as lembranças de um tempo distinto reconstituído delicadamente na combinação de fragmentos materiais antigos com brinquedos e embalagens de produtos atuais. Esses pequenos cenários de Miska preservam a ingenuidade do olhar que encontra beleza na simplicidade e nas nuances da sutileza. São obras que reavaliam nosso desejo de colecionar, de guardar, de juntar coisas sem muita utilidade. Saber o que fazer com tudo isso é tarefa, quase sempre, de quem tem aptidão ou devaneios de artista.

Priscilla Pessoa, Fábulas instantâneas XIV, 2012, aquarela sobre papel, 18 x 18 cm
Na série de aquarelas Fábulas Instantâneas, Priscilla Pessoa se apropria das diferentes situações dos autorretratos postados nos sites das redes sociais e acrescenta às fisionomias dos retratos máscaras de animais e fantasias carnavalescas que, ao mesmo tempo em que transfigura as cenas, no processo de apagamento desses rostos, impõe o anonimato aos personagens retratados,  contrapondo-se assim à necessidade de autopromoção que percebemos no território virtual. Assim como nas fábulas, a pintura de Priscilla atua na deformação da realidade, misturando o real com a fantasia num processo de reavaliação de identidade, retirando dos retratos selecionados sua  afirmação de poder e status.

Rodrigo Mogiz, Rinha de gatos, 2012, bordados e transfer sobre tecido, 35 x 44 cm
Nos “bordados” de Rodrigo Mogiz, o artista opera com a ideia do desenho apresentando novas maneiras de elaborar os trabalhos, às vezes, usando suportes que não são tradicionais dessa linguagem. Rodrigo constrói as cenas de cada obra numa relação entre as imagens impressas nos gabaritos de bordado e a intervenção de figuras sobre elas. O traço que modela os personagens é realizado pela costura da linha de algodão no tecido, ora definindo o contorno da cena, ora colorindo áreas pela trama desordenada dos pontos. Também usa na confecção dos trabalhos instrumentos específicos da artesania da costura: miçangas, pingentes, lantejoulas, entre outros. É desenho, pintura ou bordado? Segundo Manoel de Barros “significar limita a imaginação”.

Virgílio Neto, sem título, 2012, grafite e aquarela sobre papel, 30 x 42 cm
Nos desenhos de Virgílio Neto, a dimensão de cada personagem ou ilustração que compõe a obra revela o delicado gesto que produz um risco minucioso e preciso nas formas e nas combinações entre imagens e palavras. Aparentemente não há uma relação direta entre todos os detalhes das obras, entretanto, a combinação inusitada dos elementos em posições aleatórias no papel faz com que várias pequenas histórias aconteçam ao mesmo tempo, umas definidas pela linha fina, outras, no apagamento ou no borrão do grafite que se contrapõe com instantes mínimos de cor. As frases incorporadas nos desenhos não conduzem a leitura da obra, elas são elementos gráficos que contribuem para o ritmo e o movimento visual nas dimensões poéticas da representação.

Os temas abordados nos trabalhos dessa exposição refletem o constante interesse por assuntos comuns, histórias ou cenas banais que acontecem no cotidiano de cada artista, sempre com a preocupação do rigor técnico na elaboração da obra e na busca pela excelência da linguagem adotada. 

Rafael Maldonado
                                                                                                                              Curadoria, set/ 2012