quarta-feira, 5 de março de 2014

Texto de Herbert Covre sobre a exposição A gravura de Lasar Segall – Poesia da linha e do corte, apresentada no SESC Horto, em Campo Grande, de 18 de fevereiro a 21 de março de 2014.

detalhe da exposição A gravura de Lasar Segall, poesia da linha e do corte


Lasar Segall e a gravura essencial

Nos anos de 1933 e 1934, o artista plástico Lasar Segall, vindo da Lituânia, tendo passado por Berlim e Dresden, e definitivamente se instalado na cidade de São Paulo a partir de 1923, organizou festas carnavalescas para arrecadar fundos com o objetivo de financiar o desenvolvimento das artes plásticas na SPAM – Sociedade Pró-Arte Moderna.
A decoração das festas e a concepção de Segall para as fantasias tinham mais a ver com sua formação artística européia do que com as cores tupiniquins, mas só o fato de aproveitar uma festa brasileira para buscar o desenvolvimento da arte moderna no Brasil merece o aplauso, ainda que tardio.
Pode-se conferir a empolgação do artista com uma festa genuinamente nacional, observando-se a gravura em ponta-seca Carnaval (c.1926), na qual os traços eufóricos e a decoração minuciosa do salão retratam a percepção de Lasar Segall de um evento tão significativo para a cultura brasileira.
Aproveitando o ensejo, faço o convite para uma visita ao SESC HORTO, para conferir a exposição A GRAVURA DE LASAR SEGALL – Poesia da Linha e do Corte, na qual são apresentadas aos sul-matogrossenses, algumas gravuras feitas do período compreendido entre 1913-1930.
É uma ótima oportunidade para ampliar a formação cultural, e entender como que as diversas técnicas empregadas por Lasar Segall, a par demonstrarem seu talento e criatividade, comprovam a necessidade de aprimoramento do método pelo artista, que torna sublime sua obra criada por inspiração, mediante o apuro da realização técnica.
Artista plural - pintor, desenhista, gravador e escultor -, Lasar Segall fez um amálgama de sua formação européia – impressionismo, cubismo, expressionismo -, com as cores tropicais e temas nacionais, em uma brasilidade típica de quem se afeiçoou ao Brasil com amor, pois além de casar-se aqui, adquiriu a nacionalidade brasileira.
Sem nunca deixar de lado sua educação judaica -  o tema aparece na xilogravura Cabeça de Rabino, de 1919 -, Lasar Segall apresenta em sua obra uma intensa preocupação social, de caráter universal, como pode-se perceber nas xilogravuras Mendigo de 1913 e Viúva de 1919.
A temática da realidade social brasileira surge  retratada em sua obra, na qual pode-se constatar seu inconformismo em relação ao preconceito, na série de xilogravuras Cabeça de Negro e Cabeça de Negra, de 1929, assim como a miséria da condição humana está presente na série Mangue, que inclui xilogravuras – Mulher do Mangue, Casal do Mangue, Casa do Mangue-, e gravuras em ponta-seca, como Duas Mulheres do Mangue com Persiana, Duas Mulheres do Mangue com Cactos, o instigante Mulheres do Mangue com Fonógrafo e o lúdico Mulheres do Mangue com Baralho.
Sua origem lituana aparece na série de gravuras em ponta-seca, dedicada à sua cidade natal, Vilna, destacando-se Moça de Vilna e Jovem de Vilna, de 1916, além dos Retratos de T e da Sra. W., ambos de 1919. Especial menção faz-se à gravura em água-forte, Mulher Adormecida, de 1913, na qual os traços do artista se manifestam em tom intimista e delicado, com utilização alternada entre linhas suaves e fortes.
O seu êxodo pessoal, reflexo de sua condição judaica, em busca de seu próprio lugar no mundo, também comparece na exposição, com as obras Emigrantes com Lua (c.1926), Emigrantes e Emigrante Debruçado na Amurada, ambos de 1929, apresentando a singular tristeza de abandonar a terra natal, com o olhar inefável de quem segue o curso da diáspora causada pela Primeira Guerra Mundial. Destaque-se aqui, a possibilidade de comparar a obra Emigrantes com Lua, em sua versão em ponta-seca e a gravada em xilogravura.
O mar é o desafio dos que emigram, a jornada a ser vencida pelos que seguem o êxodo não pelo deserto, mas pelo oceano. E Lasar Segall captou com muita sensibilidade este percurso, como o visitante poderá observar atentamente na obra Ondas, de 1929, na qual o vigor dos traços e a força expressionista do horizonte à distância contrastam com a proximidade da margem.
Por fim, mas não menos importante, vale a análise das obras Mulheres Errantes, e Mulheres Errantes II Versão, ambas de 1919. A pluralidade de enfoques e perspectivas, os traços entre expressionismo e cubismo, a alternância entre os espaços em branco e as sombras que refletem as incertezas da vida, na visão do artista em busca do íntimo do ser humano, lançado à própria sorte num mundo dividido pelas diferenças religiosas, sociais, ideológicas, políticas e culturais.
O convite está feito. Aproveitar a oportunidade que o SESC proporciona desde o dia 18 de fevereiro, até o dia 21 de março de 2014, para admirar a exposição A GRAVURA DE LASAR SEGALL - Poesia da Linha e do Corte, com a obra de um dos precursores do modernismo no Brasil.