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Lula Ricardi, sem título, papel fotográfico, madeira, carimbo, tinta carimbo, 60 x 60 cm, 2014 |
Os salões de arte assim como as bienais
correspondem a um formato de exposição cuja complexidade se manifesta a partir
da escolha dos artistas e/ou das obras selecionadas que são definidas por uma comissão
curatorial ou através do conceito/tema adotado pela curadoria - no caso das
bienais.
São eventos que buscam oferecer um panorama
atualizado da produção artística em circulação - nacional e internacional -
reunindo nomes consagrados e outros em ascensão no sistema da arte, promovendo um
repertório de propostas e direções para a discussão das questões
artísticas em evidência.
Entretanto, esses formatos de exposição vêm
sendo criticados e seus sentidos questionados por agentes das mais diversas
áreas do campo artístico. O fato é que são eventos que induzem a formulação de
opiniões sobre suas propostas, comportando-se como termômetros de interesses,
emoções e insatisfações.
Pensando no título da 31ª edição da Bienal de
São Paulo[i]
- “Como (falar sobre) coisas que não existem” - é pertinente entender que a
arte proposta em eventos dessa natureza nem sempre é a arte que o público deseja
encontrar. Criam-se expectativas que muitas vezes não são correspondidas em
função do perfil dos artistas selecionados e das obras apresentadas. Então, em
torno dessa complexidade, como entender ou falar sobre arte no/do momento atual?
No caso dos Salões de Arte, também são poucos
os que ainda conseguem manter sua representatividade no panorama da arte no
país, funcionando como mecanismo de reflexão sobre o papel e os percursos da
arte na atualidade e, sobretudo, como vitrine para artistas em busca de
sustentação de suas carreiras e divulgação de seus trabalhos.
Desde que foi retomada a realização do Salão
de Arte de MS, em 2009, a expectativa era que esse pudesse ser um dos eventos
mais importantes para as artes visuais no Estado, contudo, o que vi, desde
então, com raras exceções, foi um projeto pretensioso que pouco contribuiu para
a educação do público e para o campo artístico local. E não foi diferente na
edição deste ano[ii], em
cartaz no Museu de Arte Contemporânea de MS (MARCO). Após visitar a mostra, saí
com a sensação de não ter visto nada inovador, nada surpreendente e quase nada
que tivesse valido à pena ter me deslocado até o museu.
E tenho que discordar do que afirma a
comissão de seleção e premiação do Salão: “as propostas apresentadas para a
seleção expressam o fruto de longas pesquisas, revelando ao final, trabalhos
coesos, de qualidade [...]”[iii].
Não! O que vi foi uma mostra equivocada e sem nenhuma relevância expressiva, com
muitos trabalhos que pouco ou nada revelam sobre pesquisa, coesão e qualidade. Situação
essa que acaba contribuindo para o questionamento da função e permanência desse
tipo de proposta como referência/influência para o fomento da produção local e
como meio de propor discussões e avanços para o entendimento das linguagens
artísticas.
Entretanto, dos vinte
artistas selecionados destaco Maiana Nussbacher e Lula Ricardi, ambos de
São Paulo, cujas obras estão num nível de elaboração muito superior ao do restante
apresentado na exposição, merecendo, assim, as premiações recebidas e devida incorporação
ao acervo do MARCO.
A pintura de
Maiana Nussbacher tem caráter psicodélico e efeito impactante. Opera com
interessante repetição geométrica e cores vibrantes que são tratadas com
precisão pictórica, numa minuciosa combinação entre tons e formas que se
encaixam como num quebra-cabeça. Mesmo não proporcionando muitos argumentos
para o debate sobre questões da pintura, é a melhor obra nessa linguagem na
exposição.
Nos trabalhos de
Lula Ricardi o rigor e a precisão na execução contribuem para que a leitura da
ideia/conceito possa ser facilmente conduzida e identificada pelo espectador,
num jogo entre imagem/palavra/objeto que articula os sentidos das obras.
Em uma das obras o
mapa do Brasil está definido na sobreposição de números carimbados e com a
palavra “escritura” repetida em diversas posições. Ao fixar alguns cabos de
carimbos no suporte sugere que o país se comporta, em alguns aspectos, como um
ultrapassado mecanismo burocrático. Uma relação interessante para pensarmos,
nesse sentido, o formato das bienais e dos salões de arte: seriam também
artefatos em obsolescência?
As exposições em
formato de bienal ou salão de arte são sempre polêmicas e apresentam pontos
altos e baixos. São eventos abertos que permitem reflexão, questionamento e
diálogo. Para o público o desafio é ter interesse em buscar o melhor que as
exposições oferecem e descobrir novas possibilidades de se relacionar com as
obras, tentando detectar, onde é possível, o conhecimento nelas contido.
Assim, espero que em
edições futuras o Salão de Artes de MS possa cumprir seu papel educativo e
impulsionar o setor artístico local, apresentando propostas inovadoras e
significativas em consonância com a produção dos importantes circuitos de arte
no país.
E, discordando novamente
do argumento da Comissão de seleção, este até poderia ser “um dos importantes
salões de arte do Brasil”, desde que algumas medidas importantes tivessem sido
adotadas para, de fato, torná-lo eficiente.
Críticas e
contribuições são/serão necessárias para produzir efeitos positivos e ajudar no
processo de amadurecimento desse projeto. Nesse sentido, considero como importante
para o Salão: 1) Ter na comissão de seleção e premiação profissionais que
tenham conhecimento das questões apontadas na produção artística em evidência
no país; 2) Ampliar o valor da premiação para atrair um número maior de artistas
com a possibilidade de melhoria da qualidade das obras inscritas/selecionadas; 3)
Pensar um plano de divulgação nacional capaz de dar maior visibilidade ao evento.
Soluções simples
que farão grande diferença, pois, da forma como esse salão se apresenta, infelizmente
está muito aquém do que poderia contribuir e significar na nossa realidade
artística. A crise está instaurada.
Rafael Maldonado[iv]
Novembro/2014
Notas
[i]
31ª edição da Bienal de São Paulo, de 06 de setembro a 07 de dezembro de 2014.
[ii]
Salão de Arte de MS, de 5 de novembro de 2014 a 20 de fevereiro de 2015.
[iii]
Retirado do texto elaborado pela Comissão de seleção e premiação do Salão de
Arte de MS, edição 2014 - Douglas Raldi Herrera, Jonas Eduardo Marins de
Santana, Zilá Soares -, publicado no catálogo da exposição.
[iv]
Atua como Curador e é professor nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em
Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).