quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Texto de Danielle Higa Miyagi sobre a exposição “Dialetos”, curadoria de Paulo Henrique Silva, apresentada no Museu de Arte Contemporânea de MS, de março a maio de 2012

Pinturas de Ana Ruas: Cobre de mesa  - Vaso -  Pavão


Na roda da vida que gira, dinamicamente no imenso espaço da existência humana, com todas as suas incertezas na qual estamos destinados a possuir. Um breve olhar pro universo já nos traz um profundo pensamento na relação do Homem e o espaço, ampliando um paradoxo de pensamentos que adere a filosofia, a ciência e a fé. Reflexão mítica não faltando indagações, embora algumas respostas apareçam, a dúvida é com certeza a direção do caminho.
Pensar em espaço é associar a lugar, o homem no seu lugar. É o relacionar com o mundo a sua razão de existir nele, conseqüentemente o de agir em função às suas crenças. Um assunto bastante discutido em vários campos do conhecimento humano num processo incessante de auto-compreensão, que faz da natureza do homem ter a capacidade de uma visão única e pessoal diante desde meio.
A partir dos primeiros movimentos físicos do corpo já é possível ensaiar o espaço em si interligando a percepção consciente da possibilidade de pensar e sentir, dentro do meio em que vive segundo Fayga Ostrower. Assim utilizando da expressão para transpor essa linguagem de forma à comunicar essas visões globais.
Nesta exposição “Dialetos” o tema utilizado foi baseado nessas concepções da relação do homem-universo.  A palavra vem da variação na fala e faz uma associação na linguagem artística de forma que, em sua leitura a expressão origina de um universo do criador com o trabalho, do artista com o mundo.
As técnicas utilizadas vão além da tradicionalidade, algo inusitado extremamente interessante além de traços ousados na questão do tema proposto, sendo de um impacto visual tocante. Mais ainda por ser uma mescla de artistas emergentes de campo-grandenses, Brasília e de Goiânia aparentemente com produções recentes.
Nota-se o objetivo de disseminar a arte contemporânea jovem utilizando novos elementos estéticos causando certo anseio e curiosidade, um ar de sedução. Das obras relacionadas, muitas deixavam claramente expostas o que o artista teve intenção de passar. Notavelmente as questões sociais imprescindíveis de reflexão, exibem a necessidade da busca de resposta para a solução do problema.
 Escolhemos para abordar, a obra com um conjunto de três telas “Cobre mesa.2012”, “Vaso.2012” e Pavão.2012”, de Ana Ruas. De uma grandiosidade e beleza sem comparação! A razão da escolha vem da sutileza com que se trata o tema, onde há uma necessidade de recorte da percepção e uma observação um pouco mais atenta.

“COBRE MESA”, “VASO”, “PAVÃO”

A princípio a atenção já se direciona para o conjunto de telas pela grandeza no espaço, postadas lado a lado. Uma característica original que representa bem a personalidade da artista nos seus trabalhos.
Em sua história, é possível notar a visão socializante da artista com suas obras. Procurando interferir de forma a modificar o meio, contagiando com os imensos trabalhos e principalmente o contexto de sua razão.
Nesta obra, transita os motivos florais a atenção para a utilização de apenas uma cor em si, o branco. Ao seu fundo as cores dos florais se destacam como algo pacífico, transmitindo uma sensação de leveza no olhar, em contraponto com o branco, dando forma sobre eles. Existe uma associação da feminilidade nas flores, com uma poética que circula no meio da vida em si.
Seguindo este pensamento, as flores simbolizam a vida. Numa representação um tanto clássica, mas de entendimento simples acessível a qualquer um. Porém desta pequena forma a reflexão gira em um campo um pouco mais profundo em sua relação com a vida e o homem em si.
No primeiro quadro “Cobre mesa”, demonstraria a vida sobre a terra? Com a relação de poucas flores realçadas comparado com o segundo, numa forma estática, porém contínua. Mas um toque mais apurado percebe-se que o realce foi devidamente escolhido.
Já na segunda tela “Vaso”, os ressaltos das flores estão em maior quantidade na parte superior equilibra com a falta das cores da primeira na parte inferior, e com a terceira onde se encontra o pássaro, causando uma harmonia suave. E o sentindo engloba o profundo pensamento da vida no mundo, descrita com as flores no vaso, da relação do existir num espaço limitado.
Nesta mostra fica evidente a associação que fez a artista com o tema, exibida centralmente no conjunto das telas.
A terceira “Pavão”, seria talvez no sentindo do ego humano supremo? O sentido talvez fosse o mesmo, porém outros elementos trazem inquietação. O pavão encontra-se em cima de um bebedouro e sobre as flores de forma que ocupa o espaço natural delas, associando com a igual idéia do espaço limite da vida. 
As conclusões então giram em torno do tema central da relação do homem com o universo, ocupando em seu espaço com as incertezas sendo um limite ao qual torna a vida algo preso ao tempo, assim como as flores.
É interessante pensar sobre esses fantasmas que perpetuarão sobre nossas vidas, uma vez que no momento presente há tantos efeitos causados pela ação do homem no mundo. 
E finalizando, a sutileza da artista notável e a admirável visão encontrada numa estamparia simples e a utilização dos seus elementos sobre a repetição das imagens ao fundo é impressionante. Uma vez em que nossos olhos seguem na imagem as formas ordenadas na estrutura espacial.
Forçando os pensamentos enquanto há uma busca de identificação das suas formas em segundo plano, não deixando de prevalecer a dimensão da expressão num enfoque tão profundo.
Não deixando de mencionar que as três telas completam uma e a outra, expressando uma seqüência nos pensamentos expressos em fases.
Fases que descreve a artista Ana Ruas, renomada e admiravelmente de uma personalidade inquieta e preocupada com as questões sociológicas. 
 
Danielle Higa Miyagi é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.


 


Texto de Lívia Molica sobre a obra de Ianelli na exposição de Gravuras do Acervo do MARCO, apresentada de março a maio de 2012

Associar o conjunto da natureza à arte é um principio de simples entendimento, mas que tem grande profundidade quando aplicado. Ao se pensar em arte até o inatural não foge de ser o natural, baseado em que os princípios de representação e ideias mesmo extremas de um artista, vêm de desejos naturais e ínfimos, que por mais distantes que estejam da realidade que compreendemos a olho nu, ainda assim ostentam em suas entranhas a origem do natural, o instinto, o princípio.

  Observando este fator de uma forma mais extrema, nos leva a conclusão de que não é possível jamais escapar da natureza no que se diz ao campo da arte, pois tudo do começo ao fim tem um conceito natural de existência, das cores ao nascimento do pensamento (que é um estado também natural do homem, como ser evoluído nos dias de hoje).
  Já, quando observamos de forma mais lapidada os conceitos de natureza na arte, são inúmeros os trabalhos, ideias e complementos que adquirimos de seu uso e aplicação. É possível denominar talvez, a natureza, como um dos condutores da compreensão e estudo das ideias de diversas obras.
  Partindo de um princípio simples, até mesmo crianças quando desenham tem essa compreensão básica, ao muitas vezes adicionarem elementos de paisagem como, por exemplo, um sol que ilumina o desenho de sua família, ou flores murchas e caídas quando se sentem tristes.
  Mesmo não compreendendo de forma extensa, as linguagens da natureza estão presentes nos conceitos do homem, assim como em seu inconsciente. A flor murcha da criança se associada à ideia de que a planta está morta, ou morrendo, vai de encontro à perda, que por vez é associada à tristeza.
  São vastos os usos das formas e significados dentro da natureza, que não é de grande surpresa observar ao longo de milhões de anos, a utilização da mesma dentro da arte, desde sua forma "crua" e mais óbvia aos também contatos mais sublimes. A aparência das árvores, a movimentação sutil do vento sob a vegetação, a representação de uma tempestade, são todos elementos que podem ser vitais ou que ajudam as compreensões mais profundas e entendimento das obras. Fisgam nossa atenção, em contrapartida com as cores, e estas que também podem surgir a partir de inspirações naturais como misturas inusitadas, se tornam parte do natural.
    Dentro da exposição "Gravuras" do acervo do Marco, são tantas as formas aos quais os artistas nos apresentam os elementos naturais, que é preciso um momento de reflexão sóbria entre uma obra e outra, para que seja possível adaptar-se a compreensão de cada estilo.
    Em uma forma geral, as obras se propunham passar não só as visões naturais, mas a experimentação daquilo que nos rodeia, de que a natureza é parte de nossa existência em todas as formas, talvez, sendo um estado diário ao qual o humano já se encontra habituado e precise ser lembrado. A experimentação das ideias no geral pareciam compor-se de fenômenos, formas, estados e intervenções ao natural, algumas mais desafiadoras, talvez, um pouco caóticas, quanto a outras, notavam-se tão básicas em seu objetivo que, sua leitura tornava-se monótona.
   A obra "No Silêncio da Mata" de Arcangelo Ianelli foi, contudo, a que se mostrou mais magnética para mim.
   Em sua visão sobre a arte, Ianelli acreditava que a obra deveria falar por si só, sem a necessidade de dissertações mais profundas que revelassem estados psíquicos ou contassem uma história.
   Das várias visões possíveis do quadro, apesar da utilização de formas tão simples, já vindas de escolhas artísticas de anos anteriores, é possível sentir-se em uma estranha falsa-calmaria. A utilização do verde nos remete ao natural, ainda que sob as cores escuras, passe uma sensação de sufoco, talvez, de tensão, de estar-se preso aos pontos mais claros no meio do quadro.
  Por si, em uma primeira visão, o entendimento seja o de uma floresta. As cores talvez puramente representem as do ambiente natural, mas, se observado com mais interesse, remetem também a troncos de árvores.
   A interpretação das perspectivas destes troncos, ou sua colocação e existência podem depender de cada observador.
   É também conforme dado o entendimento do número de troncos que, pode-se compreender a visualização e conceito da floresta em si, tendo-se provavelmente uma visão frontal da ideia.
   É possível observar uma linha completa com cinco troncos cada qual formando talvez uma distancia ou proximidade extrema, mas como também, é possível aderir-se a visão de apernas um tronco só, no qual o fundo venha a dar a sensação de uma mata escurecida e profunda, aonde se vê somente o breu.
   Em todos os casos, as extremidades escuras dão a mesma sensação de fechamento.
   Talvez, devido a um período de estudos fechados em um colégio militar ao qual Ianelli passou em sua infância junto à divisão de atenção com um irmão mais novo, ou por sua certa "reclusão” aos estudos da arte pelos métodos tradicionais (apesar de seus esforços e persistência) e em relação a seu autodidatismo, ele possa representar este sentimento suspenso, dentro de sua obra.
   A simplicidade, unida ao magnetismo das cores fez com que "No silencio da mata" se tornasse uma obra atraente, intrigante ao compreendimento, por exatamente talvez esconder algo que não exista, ou, existir em algo que nada esconde. O mesmo sentimento de calma suspensa, talvez como diz seu título, "o silencio" pode representar a paz, mas também um estado de alerta.
   Arcangello Ianelli passa com sutileza esse baque baque, de certa forma abstrato, no qual apenas a ideia dada aos olhos do observador é suficiente para lhe prender a atenção.


Lívia Molica é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.


Texto de Bruna Motta do Prado da Silva sobre as exposições “De Mercedes para Manoel”, “Como uma Fotografia”, “Desarrumando o tempo” e “Mi Amas Vin”, no Museu de Arte Contemporânea de MS, de maio a agosto de 2012.

Fotografia de Mercedes de Barros


De Mercedes para Manoel        

            A exposição De Mercedes para Manoel é uma coletânea de fotografias pessoais do poeta, podemos dizer que também é uma coletânea de memórias. Mercedes Barros quis mostrar uma outra visão acerca do tio, ela quis mostrar o que estava por detrás do poeta, o ser humano Manoel de Barros.

            As fotos são de negativos guardados pela família e algumas são colagens poéticas feitas pela fotógrafa, como por exemplo, uma fotografia ilustrando o personagem Bernardo do poema “VI” com abelhas e caramujos e uma frase “Abelhas novembras murmuram meu olho” fazendo analogia às obras do poeta.

            As fotos, que, em sua maioria, são em preto e branco foram dispostas sobre a parede de forma que formassem uma borboleta, simbolizando a mudança da visão do expectador sobre Manoel de Barros.

            Há somente duas fotos emolduradas (“Pai Sinjão e mãe Alice” e a foto de seu casamento) e o nome das fotografias foram escritas à lápis direto nas paredes. Foi uma mostra que eu gostei muito, pois a fotógrafa conseguiu seu objetivo de fazer uma ressignificação no expectador.
 

Como uma fotografia 

            O fotógrafo Roberto Müller apresenta suas obras de maneira um pouco diferente do comum. Ele combina e relaciona suas fotografias com objetos do cotidiano como, por exemplo, caixas de cigarro.

            Em “O Ministério da Saúde não Adverte” há uma relação entre a fotografia e as causas de se fumar excessivamente que estão na parte de trás das embalagens de cigarro, algo que o Ministério da Saúde deixa de advertir quando é a causa de outro mal, como o hambúrguer, um alimento vendido em fast foods que geralmente contém substâncias duvidosas nos ingrediêntes para, por exemplo, conservá-los.Tinha como moldura a embalagem escrita “produto tóxico”.

            Em “Por Favor não perturbe”, Roberto usa fotografias de pessoas dormindo ou ocupadas penduradas à uma maçaneta como um aviso de que não querem ser interrompidas.

            Em algumas das obras apresentadas, há jogos de palavras, como, por exemplo, em “Vendo não veem” onde há textos em quadros brancos que estão desfocados e somente as palavras relacionadas e sinônimas à ver ou visão estão nítidas. Ao lado de todos os quadros do conjunto da obra, há outro quadro branco com escrituras em braile, mostrando um outro jeito de se olhar.

            Uma das obras que mais me chamaram a atenção foi a “Jogos Cruzados”, pois é uma sequência de fotos que retratam uma partida de vôlei que estão dispostos como peças de dominó que foram colocadas uma a uma no chão e que depois de derrubada uma peça, as outras caem, assim como uma foto sequência.

            Fator de Corte” foi outra obra pela qual me interessei muito. São objetos como fósforos, um par de tênis, peças de dominó e outros ojetos do nosso convívio que foram retratadas ali e que nos mostram a relação fotografia-objeto de um jeito mais escancarado possível, invertendo os elementos, tornando o objeto em uma fotografia e interagindo com a moldura um tanto quanto inconvencional pela sua profundidade, mas que nos faz lembrar da moldura comumente usada em fotografias.
 

Desarrumando o Tempo 

            É uma exposição composta por trabalhos de diversas séries feitas desde os anos 80 e que, por isso, há um desconcerto no tempo entre o ato de fotografar e a visualização da fotografia. No caso da maioria das obras, se passaram anos desde o momento em que foram fotografadas até o dia em que foram expostas. É daí que sai o nome da mostra.

            Mercedes Barros faz sobreposições de fotos e colagens, fazendo assim com que cada obra narre uma história. Algumas obras tem o objetivo de sobrepor o punctum, isto é, aquilo que nos choca, do studium, aquilo que nos faz criar um afeto imediato. Um exemplo claro disso está na obra Pink Cowboy de 2010 em que há um cowboy, que no senso comum é um ser másculo, pintado de rosa, a cor símbolo do homossexualismo. O elemento que nos faz chocar é a combinação do ser másculo com a cor do homossexual, nos faz repensar sobre aquele indivíduo. Outra obra que também exemplifica isso é a Pitu de 2000, onde retrata uma moça vestida de branco, um garoto com trajes típicas da região pantaneira sobrepondo a fotografia de um matadouro. A figura das carnes suspendidas e do sangue abaixo delas é o elemento do punctum por neutralizar a ideia de pureza nas figuras da mulher de branco e do garoto com a ideia de morte, talvez de “sujeira”.

            A obra que eu mais me interessei foi a obra “It could happen to you” que é um coletivo de fotografias que me remete à memórias de alguma indivíduo e textos espalhados como um diário.
 

Mi Amas Vin  

            Uma mostra que tem como tema a religiosidade no nosso país, as obras foram fotografadas em diversas cidades do norte, nordeste do Brasil e no Distrito Federal. Retrata, em sua maioria, devotos à várias religiões como a católica, ubanda e o culto do Santo Daime. O fotográfo quis mostrar a variedade religiosa do brasileiro, seus devotos e seus cultos.

            Marcelo Buainain tenta, através do registro de cada momento, expressar, compreender e vivenciar a existência e manifestações do Divino, uma vez que a religião, cientificamente falando, seria somente um aglomerado de ideias, uma explicação atribuída à algo muito maior e mais grandioso do que o ser humano sobre coisas e fenômenos em micro e macro esfera que não podemos explicar. O artista quis experimentar cada uma dessas ideias diversificadas, quis sentir esse tal algo maior e mais grandioso e ver o poder que exerce nas pessoas que partilham dessas ideias.

            Todas as fotos foram tirada em preto e branco para dar uma ar talvez mais sério e mais artístico dessa experiência. Boa parte das fotografias retratam os fiéis em momentos importantes para cada religião como , por exemplo, rituais.

            Foi a exposição que eu menos me interessei por causa do tema, mas mesmo assim tive admiração. Marcelo fez um ótimo trabalho de relatar a diversidade religiosa no nosso país, mostrando cada momento importante para cada religião, é preciso registrar isso, pois faz parte da nossa cultura.


Bruna Motta do Prado da Silva é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina  Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.

Texto de Jamille Zambrim sobre a exposição "Dialetos", curadoria de Paulo Henrique Silva, realizada no Museu de Arte Contemporânea de MS de março a maios de 2012


Rondinelli Linhares, Ao momento presente, 2012, 50 x 65 cm
 
Dialeto: do grego diálektos: 'conversa, conversação, discussão por perguntas e respostas; maneira de falar, linguagem própria de um país’; Variante regional ou social de uma língua. Falantes de uma mesma língua apresentam diferenças nos seus modos de falar, de acordo com o lugar em que estão, com a situação de fala ou registro ou, ainda, de acordo com o nível socioeconômico do falante.

A exposição fala exatamente sobre essa ‘variante’, desses diversos tipos de linguagens. As obras tratam de problemas sócias, mas de diversas maneiras, técnicas  e materiais.

O artista tenta mostrar seu olhar sobre o mundo, sobre os problemas sociais.

Dividir a exposição em duas partes nos dá a idéia de como são trabalhadas as diversas técnicas utilizadas pelos artistas. De um lado as pinturas e instalações que nos mostram uma visão mais particular de cada artista. Do outro lado os desenhos em nanquim e intervenções digitais. Os desenhos em nanquim, assim como as pinturas, também nos mostram a visão particular dos artistas. Já as fotos podem ser manipuladas digitalmente: há a visão do artista, mas há também a inserção de novas imagens.

Um dos quadros que me chamou a atenção foi “Ao momento presente” de Rondinelli Linhares. Eu tenho algo que me atrai quanto a corações. Nada mais piegas, melancólico, lírico do que um coração. Ainda mais quando este vem dentro de uma caixa, embalado pra presente, com uma etiqueta dizendo ‘Obrigado por não ter me amado’. Isso com certeza faz com que até aqueles que se dizem “durões” se “derretam”. Ou talvez não. Bom... Isso não vem ao caso.

Não há dúvidas sobre o que o artista quer dizer: O amor é uma droga! Ou como bem disse Camões é “uma ferida que dói e não se sente”.  Se bem que no caso de Rondinelli, parece que ele sente a dor na ferida. E parece ser uma ferida a qual ele não quer fechar. Mas também, fechar porque? Para que? Muitas obras nasceram assim, da perda de um amor, de uma ferida não cicatrizada. Rondinelli analisa no retrato a saudade, as mágoas e dúvidas, a solidão, enfim, as lembranças desse amor perdido.

Como em um filme Noir, Rondinelli consegue, com jogos de claro-escuro, transpor para o papel toda a nostalgia e ves­tí­gios do amor per­di­do. No seu trabalho, o amor “faz vítimas”, não há o final feliz.

O coração colocado não dentro da caixa, mas acima desta, nos da a impressão de movimento: o dono dele está o retirando da caixa para que possa ser devolvido ao lugar o qual pertence. Há também o destaque: o coração na frente de uma parede branca, sozinho, segurado apenas por um fio, nos remete à solidão, à mágoa.

A tampa da caixa também nos remete a idéia de movimento: parece que ela vai escorregar, cair de uma vez em cima da mesa, talvez fazendo barulho e assustando o remetente, ou talvez silenciosamente, fazendo com que o remetente sinta mais tristeza.

A caixa, mesmo tendo a tampa apoiada nela, parece sozinha, perdida no tempo. Assim como o autor deve ter se sentido quando seu amor se foi.

A técnica escolhida também remete a tudo isso: o preto e o branco, e algumas nuances de cinza, retrata esse mundo triste, infeliz, nostálgico do artista. É como se colocasse cor, a lembrança desvanecesse, como se ele não tivesse sofrido o tanto que sofreu para poder construir essas imagens. A dor faz parte tanto da idéia, da construção do quadro, quanto da imagem.

Já em 1886 Camille Claudel, em uma de suas cartas a Rodin, escreveu: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta). Em seus quadros, Rondinelli diz muito, não com palavras (apesar de alguns de seus quadros terem colagens de poemas), mas sim com sua dor. Diz o quanto dói essa separação, essa ausência da pessoa amada, mesmo que ela tenha te magoado muito.

Com sua obra, Rondinelli toca num ponto delicado para a humanidade, um ponto que jamais deixará de existir, enquanto houver seres humanos caminhando sobre o planeta.

 
Jamille Zambrim é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.