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Colagem de Angela Miracema |
Diversos recursos de linguagem são usados pelos artistas
para potencializar os processos de criação e evidenciar suas ideias e
interpretações a respeito dos assuntos e fatos que nos envolvem diariamente.
Pintura, desenho, gravura, colagem, instalação, entre outros, são procedimentos
que articulam o pensamento artístico e colocam em evidência o jogo de
representação que reposiciona as relações entre superfície, plano, espaço e
matéria.
No caso dessa exposição, o procedimento adotado é a colagem,
cujo processo se inicia na coleta de recortes/materiais que irão compor a
paleta de cores e texturas que determinarão a direção tonal de cada trabalho. Escolher
a imagem e definir onde ela será fixada requer paciência e delicadeza na busca
do encaixe perfeito de cada peça.
Nas colagens de Angela Miracema as ideias podem ser
evidenciadas pelo arranjo de imagens que são combinadas sistematicamente num
esquema de aproximação e sobreposição de figuras, operando um recurso visual
que determina o sentido narrativo dos trabalhos.
Em algumas obras, agrupamentos de formas e cores vibrantes
podem criar ritmo frenético na composição e dar um aspecto psicodélico.
Noutras, o contraponto entre recortes de dimensões diversas, posicionados
estrategicamente, proporcionam as pausas visuais necessárias para acomodar o
olhar do observador.
As colagens não explicitam de imediato os assuntos de que
tratam, mas, na observação atenta aos detalhes podemos perceber os interesses
que motivaram a construção de cada trabalho. Alguns temas podem ser percebidos
em função da similaridade ou repetição das imagens utilizadas, cabendo ao
observador estabelecer as conexões. Colagens sobre papel e madeira e objetos-colagens são variações possíveis
para corresponder ao enunciado da mostra Mural
dos sonhos ou emergência dos desejos.
No mural estético de Angela Miracema os fragmentos de
imagens não mais representam a função que os caracterizou a priori. Nessas propostas
eles são reordenados como superfícies de cor e estabelecem relações cromáticas
que dissociam as formas de interpretação que tentamos aplicar às obras.
O valor simbólico da colagem está na proposição do
deslocamento perceptivo entre o que vemos e o que conseguimos relacionar a
partir disso. A deposição dos planos, um dos fundamentos do movimento cubista
que adotou a colagem como outro ponto de inflexão da superfície expressiva, no
início do século XX, é recurso necessário para a apropriação de imagens e reformulação
de seus sentidos.
A visualidade elaborada nas colagens de Angela Miracema
utiliza como matéria-prima recortes
de revistas, jornais, papéis diversos, tecidos, objetos, entre outros, propondo
uma estrutura cenográfica onde os sentidos correspondem ao fluxo visual que
combina as referências óticas e materiais que são excessivamente disponibilizadas
e consumidas no nosso cotidiano.
Rafael Maldonado*
setembro/2015
*professor
no curso Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atua como curador independente.