A redução no espaço expressivo
das obras, proposta nessa mostra, pretende avaliar as maneiras possíveis de se enfrentar
questões de representação num campo limitado por dimensões que se resolvem,
sobretudo, pelo gesto contido, no traço reduzido, num mínimo da cor, na economia
da forma ou na síntese da imagem idealizada.
Essa diminuição no tamanho requer
do artista uma maior objetividade na articulação dos esquemas estruturais do
trabalho, e as decisões são pontuadas pela negociação formal entre a
necessidade e a maneira pela qual o espaço deve ser preenchido. É como se não
fosse possível, nos limites do suporte, conter a potência da imagem.
Os trabalhos de Ana Ruas, Laury Júnior, Miska, Priscilla Paula Pessoa, Rodrigo Mogiz e Virgílio Neto, que compõem a exposição, revelam, em diferentes
linguagens, como foram tratadas as especificidades da manufatura artística no
redimensionamento da escala visual para uma realidade física menor, num formato
que privilegia o realce dos detalhes na construção delicada das cenas,
valorizando no contexto dos temas abordados as sutilezas íntimas de cada segmento
da obra.
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Ana Ruas, Bougainville V, 2012, acrílica sobre tela, 25 x 35 cm |
As pinturas de Ana Ruas evidenciam interessantes
formas de perceber o entorno e de posicionar o olhar em qualquer direção para encontrar
motivos de uma narrativa pictórica. Os assuntos são diversos e transitam entre
memória afetiva, potencializada em alguns trabalhos pela imitação de antigos barrados
de crochês, e na transposição de instantes do cotidiano que contribuem para o
feitio de uma pintura elaborada com pinceladas diluídas e veladuras que se
esgotam para que os vestígios permitam a definição exata daquilo que a artista
deseja reproduzir. A ideia de paisagem
surge discretamente em sua produção, pontuada no interesse do detalhe de uma
folhagem de vaso, ou na variação de pontos de vista diferentes de uma bougainville cultivada no jardim do
ateliê.
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Laury Júnior, sem título, 2012, nankin sobre papel, 15 x 15 cm |
Nos trabalhos de Laury Júnior as imagens são definidas
pelo contorno puro, sendo o traço, em alguns momentos, interrompido para
alterar o movimento contínuo e criar um deslocamento rítmico no desenho. O
estranhamento das cenas é causado pela condição de xipofagia dos personagens, na
junção das figuras por uma parte do corpo e no realce das diferenças de
personalidade de cada um. Outra questão apresentada na série menciona a
intolerância e a estereotipação da relação homoafetiva, propondo a leitura de
que não há escolha nem mutação de caráter nessa situação, e de que as paixões,
em toda a sua diversidade, não são atitudes infames.
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Miska, Marcas, 2009, assemblage |
As caixas/assemblage de Miska
buscam reposicionar o passado na organização de pequenos objetos e detalhes de
coisas que ficaram guardados por muito tempo, mantendo, como valiosos
porta-joias, as lembranças de um tempo distinto reconstituído delicadamente na
combinação de fragmentos materiais antigos com brinquedos e embalagens de
produtos atuais. Esses pequenos cenários de Miska preservam a ingenuidade do
olhar que encontra beleza na simplicidade e nas nuances da sutileza. São obras
que reavaliam nosso desejo de colecionar, de guardar, de juntar coisas sem
muita utilidade. Saber o que fazer com tudo isso é tarefa, quase sempre, de
quem tem aptidão ou devaneios de artista.
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Priscilla Pessoa, Fábulas instantâneas XIV, 2012, aquarela sobre papel, 18 x 18 cm |
Na série de aquarelas Fábulas
Instantâneas, Priscilla Pessoa se
apropria das diferentes situações dos autorretratos postados nos sites das
redes sociais e acrescenta às fisionomias dos retratos máscaras de animais e
fantasias carnavalescas que, ao mesmo tempo em que transfigura as cenas, no
processo de apagamento desses rostos, impõe o anonimato aos personagens retratados, contrapondo-se assim à necessidade de autopromoção
que percebemos no território virtual. Assim como nas fábulas, a pintura de
Priscilla atua na deformação da realidade, misturando o real com a fantasia num
processo de reavaliação de identidade, retirando dos retratos selecionados sua afirmação de poder e status.
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Rodrigo Mogiz, Rinha de gatos, 2012, bordados e transfer sobre tecido, 35 x 44 cm |
Nos “bordados” de Rodrigo Mogiz, o artista opera com a
ideia do desenho apresentando novas maneiras de elaborar os trabalhos, às
vezes, usando suportes que não são tradicionais dessa linguagem. Rodrigo
constrói as cenas de cada obra numa relação entre as imagens impressas nos
gabaritos de bordado e a intervenção de figuras sobre elas. O traço que modela os
personagens é realizado pela costura da linha de algodão no tecido, ora
definindo o contorno da cena, ora colorindo áreas pela trama desordenada dos pontos.
Também usa na confecção dos trabalhos instrumentos específicos da artesania da costura:
miçangas, pingentes, lantejoulas, entre outros. É desenho, pintura ou bordado? Segundo
Manoel de Barros “significar limita a imaginação”.
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Virgílio Neto, sem título, 2012, grafite e aquarela sobre papel, 30 x 42 cm |
Nos desenhos de Virgílio Neto, a dimensão de cada
personagem ou ilustração que compõe a obra revela o delicado gesto que produz
um risco minucioso e preciso nas formas e nas combinações entre imagens e
palavras. Aparentemente não há uma relação direta entre todos os detalhes das
obras, entretanto, a combinação inusitada dos elementos em posições aleatórias
no papel faz com que várias pequenas histórias aconteçam ao mesmo tempo, umas
definidas pela linha fina, outras, no apagamento ou no borrão do grafite que se
contrapõe com instantes mínimos de cor. As frases incorporadas nos desenhos não
conduzem a leitura da obra, elas são elementos gráficos que contribuem para o
ritmo e o movimento visual nas dimensões poéticas da representação.
Os temas abordados nos trabalhos
dessa exposição refletem o constante interesse por assuntos comuns, histórias
ou cenas banais que acontecem no cotidiano de cada artista, sempre com a
preocupação do rigor técnico na elaboração da obra e na busca pela excelência
da linguagem adotada.
Rafael Maldonado
Curadoria, set/ 2012
Que maravilha de análise artística! O seu texto traz novos elementos para quem aprecia a arte e enriquece nosso olhar. Ainda, a precisão de sua escrita é notável, num mundo em que, infelizmente, até jornalistas e outros profissionais que dependem da leitura e da escrita, pecam pela má qualidade de seus textos. Adorei ter lido isso, cheguei até aqui pela postagem de Priscilla Paula no Facebook. Maria Carolina Iung Ferreira.
ResponderExcluirMaria Carolina, que bom que você gostou do texto e agradeço pelo seu comentário gentil. Espero que possa ver ao vivo os trabalhos dessa exposição, são bem inspiradores.
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