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Ana Ruas, 2016, assemblage |
Sem pretensão de questionar o
papel da mulher e os desdobramentos de sua atuação social, nessa série de
trabalhos Ana Ruas se apropria de artefatos jornalísticos produzidos no Brasil
entre as décadas de 1930 e 1960, com o intuito de revelar o discurso que
idealizou a condição feminina na personificação da esposa prendada, submissa,
dedicada ao lar e à família.
Nesse período, a educação da
mulher visava suprir demandas domésticas na execução atividades manuais que
eram, geralmente, passadas de mãe para filha. Corte, costura e bordado faziam
parte das prendas que a esposa deveria exercer em sua função familiar, e, nesse
contexto, publicações voltadas para o público feminino, tais como o Jornal das
Moças e o Jornal da Mulher, ofereciam suplementos e encartes dedicados à essas
atividades. Quase como estratégias para dimensionar a delicadeza e o afeto.
Ana Ruas trata, sem pieguismo, desse
momento cultural que definiu o campo de atuação das mulheres sob imposição de
valores morais que restringiram sua atuação na sociedade. A artista não se
pronuncia criticamente, mas pontua a condição da mulher realçada, por exemplo,
na indagação do artigo publicado num dos jornais de seu arquivo: “você está
pronta para ser uma esposa amiga?”.
De posse de vasto material
(colecionado e guardado por pessoas da família) que inclui recortes de revistas
e encartes de jornais para o público feminino, além de moldes com sugestões de
figurinos e ilustrações de diversos temas para atividades como pintura, bordado
e costura, Ana Ruas retoma e amplia o repertório de discussão de questões,
outrora evidenciadas em momentos distintos de sua produção.
As imagens e os textos selecionados
pela artista são encarados como faturas estéticas que ganham nova significação
na estrutura visual dos trabalhos. Na combinação entre pintura e colagem sob
suportes de papel e madeira, Ana Ruas expande a questão/função pictórica que
ora se manifesta no plano bidimensional (frente), ora se revela na
tridimensionalidade (frente/verso) de pequenos painéis que se movimentam pelas
dobradiças que os unem, revelando informações que ficam evidentes ou ocultas, em
função da posição determinada pelo observador.
O jogo que aqui se estabelece valoriza
a diluição do processo artístico homogêneo e propõe parâmetros de conversão da pintura
na incorporação de elementos que, na medida da visualidade, contribuem para ressignificar
a linguagem e ilustrar o teor interessado de cada trabalho.
Operando entre pintura, colagem e
objeto, a artista regula a plasticidade das linguagens de modo a obter, pelos
contrastes, uniformidade e conexão entre elas. Reorganiza e combina elementos
que primam pela fragilidade, delicadeza e transparência, com outros de
opacidade, aspereza e rigidez, numa proposição estética ampla de variações e possibilidades.
Rafael Maldonado*
maio/2016
* professor
no curso Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atua como curador independente.
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