sábado, 4 de junho de 2011

Corpo em evidência ou memória insinuada

 
Lídia Baís, sem título/data, óleo sobre tela

Lançar um olhar investigador no acervo do Museu de Arte Contemporânea de MS (MARCO) revela ao exercício curatorial possibilidades no reposicionamento do sentido de algumas obras, tornando dinâmica a relação entre o discurso e formas de interpretação de conteúdos e códigos que cada objeto artístico condensa nos limites de seu suporte.

Esse recorte curatorial investiga nessas obras as maneiras em que a representação do corpo, visível ou não, se evidencia nas condições oferecidas pela singularidade das linguagens de expressão. Nesse sentido, o que é percebido enquanto forma corporal se apresenta numa figuração que transita entre a idéia naturalista de anatomia e os desdobramentos a partir dela. O que se oferece ao espectador são contrapontos entre nitidez e apagamento, forma e decomposição, fragmento e totalidade, memória e esquecimento, permanência e transitoriedade.

Partindo da percepção de que o corpo sempre esteve presente na construção representativa da história da arte, essas investigações tornam evidentes as conexões dialógicas entre obras posicionadas numa condição temporal/geográfica que as separam, mas, que em certa medida, são aproximadas por uma determinada identidade temática.

Assim, os artistas reunidos nessa mostra operam com a idéia de corpo e realidade transcendente, ora se apoiando no desenho que conduz a construção da imagem figurada, ora mediando essa presença através de metáforas e insinuações capazes de deslocar o olhar mais estático, movendo-o em novas direções.

O figurativo estruturado pelo estudo anatômico se evidencia nas obras de Lídia Baís, Fábio Baroli, Cláudia Vilela e Nelson Vaz, onde a forma de representação se apóia nos processos acadêmicos de construção da imagem e do realismo necessário para potencializar as proporções do instrumento corporal.

Em Marcelo Solá, Carlos Nunes, Genésio Fernandes, Lú Sant’Anna, Beto Lima e Ciríaco Lopes, encontramos a presença do banal no cotidiano e da ironia sagaz que menciona a diversidade dos assuntos que formam nosso repertório social. O despojamento na maneira de ilustrar esses assuntos é o que torna as obras significantes do lúdico, da fantasia e da sátira, respondendo diretamente ao ciclo compulsivo do mundo contemporâneo.

A memória de algo e a condição do desaparecimento são assuntos perceptíveis nas obras de Divino Sobral, Ana Ruas, Marina Boaventura, Vânia Pereira, Miska e Irani Brun Bucker. As lembranças são de certa forma, maneiras de se perceber a passagem do tempo e a duração do sentido das coisas na formação de identidades. Os trabalhos trazem em sua confecção elementos de uma história que são transpostos para o suporte da obra e reforçam aquilo que não queremos e não podemos esquecer.

Helder Rocha, Edson Castro, Alex Maciel, Vitória Basaia e Ovini Rosmarinus operam com o gesto distorcido da imagem, deixando evidente a vertigem na maneira como interpretamos esse corpo que estica, se entrelaça, se fragmenta e quase perde sua definição: abstrai-se. O estranhamento presente manifesta a transgressão que considera um novo sentido poético da forma e outras leituras sobre a configuração de um corpo híbrido.

O corpo se transforma num território de negociação estética e encontra ressonância na constante inquietação do processo criativo. O artista nos propõe transposições de lugares e nos solicita, para isso, um passo adiante no deslocamento necessário para que possamos perceber melhor o espaço que ocupamos e como, pelo viés da arte, nos damos conta disso.


Rafael Maldonado
Curadoria
Março de 2011

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