Espaço de leituras críticas a respeito da produção de arte atual, com análises e reflexões dos processos de criação e apresentação da obra artística no cenário nacional e internacional
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Texto de Lívia Molica sobre a obra de Ianelli na exposição de Gravuras do Acervo do MARCO, apresentada de março a maio de 2012
Associar
o conjunto da natureza à arte é um principio de simples entendimento, mas que
tem grande profundidade quando aplicado. Ao se pensar em arte até o inatural
não foge de ser o natural, baseado em que os princípios de representação e
ideias mesmo extremas de um artista, vêm de desejos naturais e ínfimos, que por
mais distantes que estejam da realidade que compreendemos a olho nu, ainda
assim ostentam em suas entranhas a origem do natural, o instinto, o princípio.
Observando este fator de uma forma mais
extrema, nos leva a conclusão de que não é possível jamais escapar da natureza
no que se diz ao campo da arte, pois tudo do começo ao fim tem um conceito
natural de existência, das cores ao nascimento do pensamento (que é um estado
também natural do homem, como ser evoluído nos dias de hoje).
Já, quando observamos de forma mais lapidada
os conceitos de natureza na arte, são inúmeros os trabalhos, ideias e
complementos que adquirimos de seu uso e aplicação. É possível denominar
talvez, a natureza, como um dos condutores da compreensão e estudo das ideias
de diversas obras.
Partindo de um princípio simples, até mesmo
crianças quando desenham tem essa compreensão básica, ao muitas vezes
adicionarem elementos de paisagem como, por exemplo, um sol que ilumina o
desenho de sua família, ou flores murchas e caídas quando se sentem tristes.
Mesmo não compreendendo de forma extensa, as
linguagens da natureza estão presentes nos conceitos do homem, assim como em seu
inconsciente. A flor murcha da criança se associada à ideia de que a planta
está morta, ou morrendo, vai de encontro à perda, que por vez é associada à
tristeza.
São vastos os usos das formas e significados
dentro da natureza, que não é de grande surpresa observar ao longo de milhões
de anos, a utilização da mesma dentro da arte, desde sua forma "crua"
e mais óbvia aos também contatos mais sublimes. A aparência das árvores, a
movimentação sutil do vento sob a vegetação, a representação de uma tempestade,
são todos elementos que podem ser vitais ou que ajudam as compreensões mais
profundas e entendimento das obras. Fisgam nossa atenção, em contrapartida com
as cores, e estas que também podem surgir a partir de inspirações naturais como
misturas inusitadas, se tornam parte do natural.
Dentro da exposição "Gravuras" do
acervo do Marco, são tantas as formas aos quais os artistas nos apresentam os
elementos naturais, que é preciso um momento de reflexão sóbria entre uma obra
e outra, para que seja possível adaptar-se a compreensão de cada estilo.
Em uma forma geral, as obras se propunham
passar não só as visões naturais, mas a experimentação daquilo que nos rodeia,
de que a natureza é parte de nossa existência em todas as formas, talvez, sendo
um estado diário ao qual o humano já se encontra habituado e precise ser
lembrado. A experimentação das ideias no geral pareciam compor-se de fenômenos,
formas, estados e intervenções ao natural, algumas mais desafiadoras, talvez,
um pouco caóticas, quanto a outras, notavam-se tão básicas em seu objetivo que,
sua leitura tornava-se monótona.
A obra "No Silêncio da Mata" de
Arcangelo Ianelli foi, contudo, a que se mostrou mais magnética para mim.
Em sua visão sobre a arte, Ianelli
acreditava que a obra deveria falar por si só, sem a necessidade de
dissertações mais profundas que revelassem estados psíquicos ou contassem uma
história.
Das várias visões possíveis do quadro,
apesar da utilização de formas tão simples, já vindas de escolhas artísticas de
anos anteriores, é possível sentir-se em uma estranha falsa-calmaria. A
utilização do verde nos remete ao natural, ainda que sob as cores escuras,
passe uma sensação de sufoco, talvez, de tensão, de estar-se preso aos pontos
mais claros no meio do quadro.
Por si, em uma primeira visão, o entendimento
seja o de uma floresta. As cores talvez puramente representem as do ambiente
natural, mas, se observado com mais interesse, remetem também a troncos de
árvores.
A interpretação das perspectivas destes
troncos, ou sua colocação e existência podem depender de cada observador.
É também conforme dado o entendimento do
número de troncos que, pode-se compreender a visualização e conceito da
floresta em si, tendo-se provavelmente uma visão frontal da ideia.
É possível observar uma linha completa com
cinco troncos cada qual formando talvez uma distancia ou proximidade extrema,
mas como também, é possível aderir-se a visão de apernas um tronco só, no qual
o fundo venha a dar a sensação de uma mata escurecida e profunda, aonde se vê
somente o breu.
Em todos os casos, as extremidades escuras
dão a mesma sensação de fechamento.
Talvez, devido a um período de estudos
fechados em um colégio militar ao qual Ianelli passou em sua infância junto à
divisão de atenção com um irmão mais novo, ou por sua certa "reclusão” aos
estudos da arte pelos métodos tradicionais (apesar de seus esforços e
persistência) e em relação a seu autodidatismo, ele possa representar este
sentimento suspenso, dentro de sua obra.
A simplicidade, unida ao magnetismo das
cores fez com que "No silencio da mata" se tornasse uma obra
atraente, intrigante ao compreendimento, por exatamente talvez esconder algo
que não exista, ou, existir em algo que nada esconde. O mesmo sentimento de calma
suspensa, talvez como diz seu título, "o silencio" pode representar a
paz, mas também um estado de alerta.
Arcangello Ianelli passa com sutileza esse
baque baque, de certa forma abstrato, no qual apenas a ideia dada aos olhos do
observador é suficiente para lhe prender a atenção.
Lívia Molica é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.
Texto de Bruna Motta do Prado da Silva sobre as exposições “De Mercedes para Manoel”, “Como uma Fotografia”, “Desarrumando o tempo” e “Mi Amas Vin”, no Museu de Arte Contemporânea de MS, de maio a agosto de 2012.
Texto de Jamille Zambrim sobre a exposição "Dialetos", curadoria de Paulo Henrique Silva, realizada no Museu de Arte Contemporânea de MS de março a maios de 2012
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Rondinelli Linhares, Ao momento presente, 2012, 50 x 65 cm |
Dialeto: do grego diálektos: 'conversa, conversação, discussão por perguntas
e respostas; maneira de falar, linguagem própria de um país’; Variante regional
ou social de uma língua. Falantes de uma mesma língua apresentam diferenças nos
seus modos de falar, de acordo com o lugar em que estão, com a situação de fala
ou registro ou, ainda, de acordo com o nível socioeconômico do falante.
A exposição fala exatamente sobre essa
‘variante’, desses diversos tipos de linguagens. As obras tratam de problemas
sócias, mas de diversas maneiras, técnicas e materiais.
O artista tenta mostrar seu olhar sobre o mundo,
sobre os problemas sociais.
Dividir a exposição em duas partes nos dá a
idéia de como são trabalhadas as diversas técnicas utilizadas pelos artistas.
De um lado as pinturas e instalações que nos mostram uma visão mais particular
de cada artista. Do outro lado os desenhos em nanquim e intervenções digitais.
Os desenhos em nanquim, assim como as pinturas, também nos mostram a visão particular
dos artistas. Já as fotos podem ser manipuladas digitalmente: há a visão do
artista, mas há também a inserção de novas imagens.
Um dos quadros que me chamou a atenção foi “Ao
momento presente” de Rondinelli Linhares. Eu tenho algo que me atrai quanto a
corações. Nada mais piegas, melancólico, lírico do que um coração. Ainda mais
quando este vem dentro de uma caixa, embalado pra presente, com uma etiqueta
dizendo ‘Obrigado por não ter me amado’. Isso com certeza faz com que até
aqueles que se dizem “durões” se “derretam”. Ou talvez não. Bom... Isso não vem
ao caso.
Não há dúvidas sobre o que o artista quer
dizer: O amor é uma droga! Ou como bem disse Camões é “uma ferida que dói e não
se sente”. Se bem que no caso de
Rondinelli, parece que ele sente a dor na ferida. E parece ser uma ferida a
qual ele não quer fechar. Mas também, fechar porque? Para que? Muitas obras
nasceram assim, da perda de um amor, de uma ferida não cicatrizada. Rondinelli
analisa no retrato a saudade, as mágoas e dúvidas, a solidão, enfim, as
lembranças desse amor perdido.
Como em um filme Noir, Rondinelli consegue,
com jogos de claro-escuro, transpor para o papel toda a nostalgia e vestígios
do amor perdido. No seu trabalho, o amor “faz vítimas”, não há o final feliz.
O coração colocado não dentro da caixa, mas
acima desta, nos da a impressão de movimento: o dono dele está o retirando da
caixa para que possa ser devolvido ao lugar o qual pertence. Há também o
destaque: o coração na frente de uma parede branca, sozinho, segurado apenas
por um fio, nos remete à solidão, à mágoa.
A tampa da caixa também nos remete a idéia de
movimento: parece que ela vai escorregar, cair de uma vez em cima da mesa,
talvez fazendo barulho e assustando o remetente, ou talvez silenciosamente,
fazendo com que o remetente sinta mais tristeza.
A caixa, mesmo tendo a tampa apoiada nela, parece sozinha, perdida no tempo. Assim como o autor deve ter se sentido quando seu amor se foi.
A técnica escolhida também remete a tudo
isso: o preto e o branco, e algumas nuances de cinza, retrata esse mundo
triste, infeliz, nostálgico do artista. É como se colocasse cor, a lembrança
desvanecesse, como se ele não tivesse sofrido o tanto que sofreu para poder
construir essas imagens. A dor faz parte tanto da idéia, da construção do
quadro, quanto da imagem.
Já em 1886 Camille Claudel, em uma de suas
cartas a Rodin, escreveu: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me
tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta). Em seus
quadros, Rondinelli diz muito, não com palavras (apesar de alguns de seus
quadros terem colagens de poemas), mas sim com sua dor. Diz o quanto dói essa
separação, essa ausência da pessoa amada, mesmo que ela tenha te magoado muito.
Com sua obra, Rondinelli toca num ponto
delicado para a humanidade, um ponto que jamais deixará de existir, enquanto
houver seres humanos caminhando sobre o planeta.
Jamille Zambrim é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.
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