quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Texto de Jamille Zambrim sobre a exposição "Dialetos", curadoria de Paulo Henrique Silva, realizada no Museu de Arte Contemporânea de MS de março a maios de 2012


Rondinelli Linhares, Ao momento presente, 2012, 50 x 65 cm
 
Dialeto: do grego diálektos: 'conversa, conversação, discussão por perguntas e respostas; maneira de falar, linguagem própria de um país’; Variante regional ou social de uma língua. Falantes de uma mesma língua apresentam diferenças nos seus modos de falar, de acordo com o lugar em que estão, com a situação de fala ou registro ou, ainda, de acordo com o nível socioeconômico do falante.

A exposição fala exatamente sobre essa ‘variante’, desses diversos tipos de linguagens. As obras tratam de problemas sócias, mas de diversas maneiras, técnicas  e materiais.

O artista tenta mostrar seu olhar sobre o mundo, sobre os problemas sociais.

Dividir a exposição em duas partes nos dá a idéia de como são trabalhadas as diversas técnicas utilizadas pelos artistas. De um lado as pinturas e instalações que nos mostram uma visão mais particular de cada artista. Do outro lado os desenhos em nanquim e intervenções digitais. Os desenhos em nanquim, assim como as pinturas, também nos mostram a visão particular dos artistas. Já as fotos podem ser manipuladas digitalmente: há a visão do artista, mas há também a inserção de novas imagens.

Um dos quadros que me chamou a atenção foi “Ao momento presente” de Rondinelli Linhares. Eu tenho algo que me atrai quanto a corações. Nada mais piegas, melancólico, lírico do que um coração. Ainda mais quando este vem dentro de uma caixa, embalado pra presente, com uma etiqueta dizendo ‘Obrigado por não ter me amado’. Isso com certeza faz com que até aqueles que se dizem “durões” se “derretam”. Ou talvez não. Bom... Isso não vem ao caso.

Não há dúvidas sobre o que o artista quer dizer: O amor é uma droga! Ou como bem disse Camões é “uma ferida que dói e não se sente”.  Se bem que no caso de Rondinelli, parece que ele sente a dor na ferida. E parece ser uma ferida a qual ele não quer fechar. Mas também, fechar porque? Para que? Muitas obras nasceram assim, da perda de um amor, de uma ferida não cicatrizada. Rondinelli analisa no retrato a saudade, as mágoas e dúvidas, a solidão, enfim, as lembranças desse amor perdido.

Como em um filme Noir, Rondinelli consegue, com jogos de claro-escuro, transpor para o papel toda a nostalgia e ves­tí­gios do amor per­di­do. No seu trabalho, o amor “faz vítimas”, não há o final feliz.

O coração colocado não dentro da caixa, mas acima desta, nos da a impressão de movimento: o dono dele está o retirando da caixa para que possa ser devolvido ao lugar o qual pertence. Há também o destaque: o coração na frente de uma parede branca, sozinho, segurado apenas por um fio, nos remete à solidão, à mágoa.

A tampa da caixa também nos remete a idéia de movimento: parece que ela vai escorregar, cair de uma vez em cima da mesa, talvez fazendo barulho e assustando o remetente, ou talvez silenciosamente, fazendo com que o remetente sinta mais tristeza.

A caixa, mesmo tendo a tampa apoiada nela, parece sozinha, perdida no tempo. Assim como o autor deve ter se sentido quando seu amor se foi.

A técnica escolhida também remete a tudo isso: o preto e o branco, e algumas nuances de cinza, retrata esse mundo triste, infeliz, nostálgico do artista. É como se colocasse cor, a lembrança desvanecesse, como se ele não tivesse sofrido o tanto que sofreu para poder construir essas imagens. A dor faz parte tanto da idéia, da construção do quadro, quanto da imagem.

Já em 1886 Camille Claudel, em uma de suas cartas a Rodin, escreveu: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta). Em seus quadros, Rondinelli diz muito, não com palavras (apesar de alguns de seus quadros terem colagens de poemas), mas sim com sua dor. Diz o quanto dói essa separação, essa ausência da pessoa amada, mesmo que ela tenha te magoado muito.

Com sua obra, Rondinelli toca num ponto delicado para a humanidade, um ponto que jamais deixará de existir, enquanto houver seres humanos caminhando sobre o planeta.

 
Jamille Zambrim é acadêmica do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O texto foi apresentado como trabalho da disciplina Fundamentos da Linguagem Visual, ministrada pelo professor Rafael Maldonado.

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